📚Livro (conto): A Dócil
✍️Autor: Fiódor Dostoiévski
📆Ano de publicação: 1876
✨Sinopse: Um homem viúvo, dono de uma loja de penhores em São Petersburgo, narra os acontecimentos que antecederam um trágico desfecho.
Contada em forma de monólogo interior, a história revela, pouco a pouco, seu comportamento controlador, frio e opressor — expondo suas racionalizações e, por fim, seu desespero.
É um retrato íntimo e perturbador de uma relação marcada por silêncios, imposições, violência emocional e solidão.
🌎Local da história: São Petersburgo, na Rússia.
Per Fabulas, Veritas
(na ficção, a verdade)...
...então é hora de encarar o silêncio e a dor da dócil
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Esta releitura jurídica foi realizada com base na leitura do conto A Dócil, de Fiódor Dostoiévski — originalmente publicada em 1876 no periódico russo Otetchestvennye Zapiski (Anotações da Pátria), sob o título Кроткая (Krotkaia).
A edição consultada pertence à Coleção Leste, da Editora 34, com tradução direta do russo por Vadim Nikitin, publicada em 2003. ISBN: 85-7326-271-0.
Antes de prosseguirmos, preciso dizer: Dostoiévski é f#@%! Eu amo. O cara é dos bons. Russo doidão, transbordava talento. Pronto, falei. Seguindo...
Antes de começarmos, alguns avisos importantes:
As ilustrações presentes nesta releitura jurídica foram geradas por inteligência artificial por meio da ferramenta Mídia Mágica do Canva (Magic Media) e ChatGPT, com prompts e curadoria visual cuidadosamente desenvolvidos por mim, especialmente para acompanhar e enriquecer o conteúdo da obra;
Tudo o que você vai ler aqui nasceu das minhas reflexões pessoais como estudante de Direito e amante da literatura;
Como abordo e menciono a obra, vou dar spoilers, não tem jeito. Mas não vou contar o final e sempre recomendo muito a leitura da obra;
Meu lema é Per fabulas, veritas — ou seja: na ficção, a verdade. Acredito que essas obras maravilhosas nos permitem pensar o mundo de forma mais sóbria, mais crítica, e talvez até mais justa;
Portanto, atenção: nada aqui se trata de orientação jurídica. Até porque — ainda não sou advogado. São apenas ideias, pensamentos e aprendizados que surgem das leituras desses livros tão magníficos e das aulas que tenho na universidade.
⚠️Se você estiver passando por uma situação que envolva questões legais, o correto é procurar a orientação de um(a) advogado(a) devidamente inscrito(a) na OAB — a Ordem dos Advogados do Brasil.
Vamos lá...
🌊🏄📖
Bora surfar no conto
"A Dócil"
"O fato é que não paro de andar, andar, andar... Eis como isso aconteceu. Vou simplesmente contar na ordem (ordem!). Senhores, estou longe de ser um literato, e os senhores podem ver isso, mas não importa, vou contar assim como eu mesmo entendo. É aí que está todo o meu horror, eu entendo tudo!"
Esse conto de Dostoiévski é extremamente forte, pois mostra uma relação abusiva e tóxica com maestria. E ele faz isso com pouquíssimos personagens, sendo basicamente dois os principais:
O Usurário e a Moça.
Eles não têm nomes próprios, em uma escolha maravilhosa para generalizar abusadores (na figura do usurário) e também as vítimas, sem voz, sem nome, na figura da moça. Ge-ni-al. E justamente por isso, cada vez que eu mencionar o Usurário ou a Moça, usarei letra maiúscula.
Vamos lá, o conto começa com o Usurário caminhando de um canto a outro do quarto, narrando para nós, passo-a-passo, o porque dos trágicos acontecimentos que se sucederam.
Eu adoro essa parte da abertura do conto, pois quando o narrador grita (ordem!) é quase como se eles estivesse se defendendo em um tribunal mas ao mesmo tempo com uma postura de juiz. Ele é acusado e juiz ao mesmo tempo. O estilo de Dostoiévski é, como sempre, maravilhoso!
Dostoiévski nos transforma em um personagem do conto também, onde julgamos a narrativa desenfreada do narrador.
Vemos com o passar da sua narração que o narrador é um usurário, de seus quarenta e poucos anos, que tem uma casa de penhoras.
É no seu negócio que ele conhece “a Moça”, uma garota de dezesseis anos que vai no seu negócio penhorar algumas peças de pouca valia.
O Usurário rapidamente nota que a moça vem de uma relação familiar péssima, onde ela é abusada por suas tias.
Ele se sente atraído por sua fragilidade e percebe que ela será uma boa e subserviente esposa.
"Sem mais nem menos até batiam nela, jogavam-lhe na cara o pão de cada dia. Acabaram fazendo planos de vendê-la"
Nota, também, que a Moça vem de uma situação econômica bastante frágil. Inclusive por isso ela vai tentar a penhora de alguns itens, para ter algum dinheiro.
Esse é o primeiro ponto que o Usurário percebe que pode ter real poder e controle sobre ela.
"E o principal é que eu então a olhava como sendo minha e não duvidava do meu poder. Sabem, quando já não se tem dúvidas, é voluptuoso esse pensamento."
Passados um período curto de tempo, e o Usurário vai às casa da Moça para dizer às suas tia que ele vai se casar com ela.
Vamos dar um mini fast-forward no conto: e assim que começa um casamento altamente abusivo.
Mas o realmente interessante aqui é que o abuso aqui não é físico, mas sim de cunho emocional.
O Usurário sabe que tem completo controle financeiro em cima da Moça e com isso exige que ela siga o seu estilo de vida.
Quando ela faz algo que ele não aprova, a trata com desdém e silêncio. Pouco a pouco, a moça começa a perder sua identidade e apenas e sofrer nas mãos desse homem controlador.
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Pausa no conto!
Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no conto A Dócil:
🔶Tópico 1: Diferentes formas de abusos: físicos, verbais, emocionais, patrimoniais
🔶Tópico 2: Um pouco da história da Lei Maria da Penha
🔶Tópico 3: O que a Lei Maria da Penha garante
🔶Tópico 4: Como a Lei Maria da Penha enxerga esses diferentes tipos de abusos
🔶Tópico 5: Qual o pior tipo de abuso? Físico? Emocional?
🔶Tópico 6: Relevância desses tópicos no conto
🔶Tópico 7: Onde e como denunciar abusos
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
Diferentes formas de abusos (físicos, verbais, emocionais, patrimoniais)
Nem toda violência deixa marcas visíveis. O conto A Dócil, de Dostoiévski, nos leva a encarar um tipo de relação silenciosamente destrutiva — onde a dominação não se dá apenas por gritos ou empurrões, mas também por palavras secas, controle financeiro, manipulação emocional e indiferença calculada.
No Direito brasileiro, especialmente à luz da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), reconhece-se que a violência doméstica e familiar pode assumir várias formas:
Violência física: qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher;
Violência psicológica: ameaça, humilhação, isolamento, manipulação, chantagem, ou qualquer conduta que cause dano emocional;
Violência verbal: muitas vezes confundida com "desentendimento comum", é a repetição de palavras agressivas, ofensas ou xingamentos que corroem a autoestima;
Violência patrimonial: retenção, subtração ou destruição de bens, documentos, dinheiro ou instrumentos de trabalho da vítima.
No conto, não há cenas explícitas de agressão física, mas o ambiente começar a rapidamente se tornar opressor: o protagonista exerce poder econômico, emocional e simbólico sobre a jovem esposa.
A fragilidade dela não está apenas em sua juventude, mas no fato de ter sido gradualmente apagada como sujeito — até se tornar um objeto da vontade alheia.
Em outra releitura jurídica publicada no Artigo Infinito, analiso o romance O Estrangeiro, de Albert Camus, no qual a violência física é retratada de forma escancarada: Raymond, um dos personagens, agride brutalmente uma mulher com quem se relaciona, num episódio em que os gritos, os hematomas e a passividade das testemunhas revelam o quanto a agressão pode ser normalizada socialmente.
👉Leia minha releitura jurídica do livro O Estrangeiro aqui
No caso deste conto (A Dócil), o abuso é mais sútil, mais difícil de perceber, já que não se trata de machucados físicos. Mas realmente os dois tipos de abusos são cruéis e devem ser combatidos.
Os dois modos de violência e abuso (física ou emocional) são muito graves e previstas na Lei Maria da Penha. Essa lei é uma grande (e infelizmente tardia) conquista para o Brasil, então vale falarmos sobre a sua história e criação.
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🔶 Tópico 2: 🔶
Um pouco da história da Lei Maria da Penha
⚖️No Brasil, a violência doméstica e familiar contra a mulher passou a ser tratada com mais seriedade a partir da criação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), uma das legislações mais importantes do país no enfrentamento à violência de gênero.
A lei leva o nome de Maria da Penha Maia Fernandes, uma mulher brasileira que sofreu, durante anos, agressões físicas e psicológicas cometidas por seu então marido.
Em 1983, ele tentou matá-la duas vezes: primeiro com um tiro (que a deixou paraplégica) e, depois, tentando eletrocutá-la durante o banho. Mesmo com provas, o agressor demorou quase 20 anos para ser condenado.
Cansada da impunidade, Maria da Penha denunciou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e o Brasil foi responsabilizado por omissão e negligência.
A partir disso, surgiu a necessidade de uma legislação específica e mais eficaz para proteger as mulheres.
Assim, nasceu a Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006.
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🔶 Tópico 3: 🔶
O que a Lei Maria da Penha garante
A Lei Maria da Penha garante uma série de direitos, proteções e mecanismos de combate à violência contra a mulher. Entre eles:
Define diferentes formas de violência: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral;
Permite que a mulher solicite medidas protetivas de urgência, como o afastamento do agressor e a proibição de contato;
Determina a criação de delegacias e juizados especializados no atendimento às mulheres;
Estimula políticas públicas de prevenção, apoio às vítimas e reeducação dos agressores.
Essa ampliação da definição de violência é essencial para compreender a profundidade dos abusos que, muitas vezes, não deixam hematomas — mas dilaceram a "alma", a identidade, a saúde mental e a dignidade da pessoa.
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🔶 Tópico 4: 🔶
Como a Lei Maria da Penha enxerga essas diferentes formas de abusos
A Lei Maria da Penha, marco histórico no enfrentamento à violência contra a mulher no Brasil, ampliou a visão jurídica sobre o que é violência doméstica.
Antes dela, apenas a agressão física era levada a sério pelo sistema de justiça. E muitas vezes nem isso, como vimos no caso da Maria da Penha.
Hoje, a lei reconhece que o sofrimento psíquico, o cerceamento da liberdade e o domínio econômico também são formas de violência — e que seus efeitos podem ser tão devastadores quanto um empurrão ou um tapa.
Segundo o Art. 7º da Lei 11.340/2006, as formas de violência contra a mulher incluem:
Violência física: como lesões corporais, empurrões, tapas, cortes, entre outros.
Violência psicológica: o que atinge a estabilidade emocional, como humilhações, ameaças, manipulações e isolamento.
Violência sexual: quando há coerção, chantagem ou imposição em relações sexuais, mesmo no contexto de casamento.
Violência patrimonial: controlar o dinheiro, destruir pertences, impedir a mulher de trabalhar ou estudar.
Violência moral: caluniar, difamar, acusar falsamente, ofender a reputação da vítima.
O conto A Dócil nos obriga a refletir sobre a invisibilidade da violência emocional e patrimonial: o protagonista trata a esposa como uma posse.
Ele controla sua vida, sua rotina, sua forma de existir no mundo. Há silêncio, mas não há paz. Há riqueza material, mas não há afeto.
O conto antecipa — com brutalidade simbólica — muitos dos mecanismos de opressão que a Lei Maria da Penha hoje combate.
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🔶 Tópico 5: 🔶
Qual o pior tipo de abuso? Físico? Emocional?
É natural que, ao falarmos de violência, surja a pergunta: qual é a pior? Seria o tapa? A humilhação? O controle silencioso? Mas talvez a pergunta correta não seja qual é a pior forma de abuso — e sim: quanto sofrimento uma pessoa consegue suportar sem perder a si mesma?
A violência física é visível, urgente, chocante e, portanto, mais fácil de notar. Mas a violência emocional age de modo mais sorrateiro: ela se instala devagar, desestrutura por dentro, e quando percebida, já pode ter deixado cicatrizes profundas — e invisíveis.
O próprio Conselho Nacional de Justiça reconhece que as formas de violência não devem ser comparadas em gravidade, pois todas ferem a dignidade da pessoa humana. A dor não se mede em hematomas. E vale muito lembrar que o Direito à dignidade anda lado a lado com o Direito à vida, saúde e segurança, tudo garantido pela nossa Constituição.
Em A Dócil, Dostoiévski descreve um ambiente onde o abuso psicológico e o silenciamento da subjetividade se acumulam até levarem ao colapso da jovem esposa.
Não houve gritos, mas houve domínio. Não houve murros, mas houve frieza, distanciamento e controle — talvez ainda mais difíceis de nomear e, por isso mesmo, mais difíceis de denunciar.
E o conto transmite bem essa opressão, pelo jeito que o narrador nos descreve sua esposa, como alguém que deveria se submeter a ele de todas as formas. É horrível.
Enquanto isso, em O Estrangeiro, vemos a personagem "irmã do Árabe" sendo brutalmente agredida. A violência ali é física e inquestionável. A triste verdade é que abusos emocionais e físicos causam sofrimentos diferentes, mas igualmente devastadores.
No Direito, todas essas formas de abuso são muito sérias. Na vida, cada uma delas pode deixar marcas diferentes — mas devastadoras.
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🔶 Tópico 6: 🔶
Relevância desses tópicos no conto A Dócil
A seguir, destaco como as violências tipificadas na Lei Maria da Penha se manifestam, de forma simbólica e devastadora, na narrativa de A Dócil. A literatura, nesse caso, não apenas reflete a realidade — ela a denuncia. Per fabulas, veritas (na ficção, a verdade).
💔Violência Psicológica
📜Base legal: Lei nº 11.340/2006 – art. 7º, II
“[…] qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima, que prejudique ou perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões […]”
⚖️O que é: uma forma silenciosa e grave de violência que atinge a dignidade da mulher. Pode ocorrer por meio de humilhações, manipulação emocional e imposições comportamentais — mesmo sem agressão física.
✨📖No conto: o usurário exerce forte controle emocional sobre a jovem. Impõe silêncio, retira dela o direito de decidir, julga cada gesto e destrói, pouco a pouco, sua autoestima. A moça é levada ao isolamento completo — até o colapso.
🪙Violência Patrimonial
📜Base legal: Lei nº 11.340/2006 – art. 7º, IV
“[...] qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens e valores.”
⚖️O que é: quando o agressor toma controle dos bens, dinheiro ou objetos da vítima, impedindo sua autonomia financeira. Essa dependência vira ferramenta de controle.
✨📖No conto: a moça aparece pela primeira vez tentando penhorar seus objetos de pouco valor — símbolo de sua precariedade material. O usurário, percebendo isso, oferece ajuda e a prende numa relação de total dependência econômica.
🎭Violência Moral
📜 Base legal: Lei nº 11.340/2006 – art. 7º, V
“[...] qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”
⚖️O que é: ocorre quando o agressor atinge a honra e a dignidade da mulher por meio de insultos, acusações falsas ou ofensas verbais.
✨📖No conto: ao longo da narrativa, o usurário tenta justificar seu comportamento transferindo a culpa para a jovem. Ele a descreve como distante, orgulhosa, quase desumana — uma reconstrução verbal que apaga sua subjetividade e a reduz à imagem da “culpada”.
Além disso, mostra que sente prazer ao notar que ela depende dele financeiramente e que ela deveria se submeter inteiramente a ele, pela sua fragilidade. Olha o que o Usurário diz, sem qualquer pudor:
"Agradavam-me também vários pensamentos, por exemplo, o que eu tinha quarenta e um, e ela mal fizera dezesseis. Isso me cativava, essa sensação de desigualdade, era muito doce isso, muito doce."
🤮🤮🤮
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🔶 Tópico 7: 🔶
⚠️🚨⚠️
Onde e como denunciar abusos às mulheres
Se você está sofrendo ou conhece alguém em situação de violência, não se cale. Denunciar salva vidas.
🛑Onde denunciar:
📞Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher (gratuito e 24h, inclusive aos fins de semana). Tempo de atendimento = menos de 1 minuto!
🚨Em casos de emergência, acione a Polícia Militar pelo 190
🏢Registre ocorrência na Delegacia da Mulher mais próxima (ou, em alguns estados, pela internet)
🤝Busque apoio em centros de referência de atendimento à mulher no seu município
🖥️Denuncie online ➡️ diferentes estados tem diferentes plataformas
🩷Denunciar também é um ato de cuidado e justiça.🩷
😮💨
Chega de estudar Direito por agora!
Hora de surfar de novo no conto
🌊🏄📖
Caramba dei bastante spoiler acima ne? Agora vocês já sabem que o Usurário, do alto dos seus 40 e poucos anos, se casa com a jovem de 16 e passa a abusar dela emocional e financeiramente. Mas vamos por partes...
Sei que falei que daríamos uma pausa do Direito para entrarmos novamente no conto. Mas a diferença de idade, 40 e poucos do Usurário versus os 16 anos da Moça... algo não cheira bem aí!
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Pausa no conto!
Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no conto A Dócil:
🔶Tópico 1: É lícito alguém de 40 anos se casar com alguém de 16? (Como a lei brasileira entende isso)
🔶Tópico 2: Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
🔶Tópico 3: Relevância desses tópicos com o conto A Dócil
🔶Tópico 4: Onde e como denunciar abusos contra crianças e adolescentes
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
É lícito alguém de 40 anos se casar com alguém de 16? (Como a lei brasileira entende isso)
No conto A Dócil, o narrador tem 40 e poucos anos. A jovem, apenas 16. A diferença de idade é gritante — e ele próprio parece sentir prazer nessa desigualdade:
“Essa sensação de desigualdade era muito doce, muito doce.”
Mas… isso seria lícito no Brasil? Obvio que não né, Tom...
ERRADO!
Na legislação brasileira, o casamento com menores de 16 anos é proibido em qualquer hipótese, mesmo com consentimento dos pais. Isso está previsto no Código Civil, art. 1.520, com redação dada pela Lei 13.811/2019:
“Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem ainda não completou dezesseis anos.”
No entanto, o que pode chocar muita gente — inclusive a mim — é que, acima dos 16 anos, o casamento é permitido, desde que haja autorização dos pais ou responsáveis legais. E nossa personagem, no conto A Dócil já tem seus 16 anos completos.
Ou seja: sim, é lícito que alguém de 40 anos se case com alguém de 16, desde que a jovem tenha ultrapassado esse limite mínimo de idade e tenha o consentimento formal da família.
Isso ocorre porque, no Direito Civil brasileiro, a partir dos 16 anos a pessoa é considerada “relativamente capaz” — ou seja, pode praticar atos da vida civil com assistência de um responsável legal. O casamento entra nesse rol.
Mas é importante reforçar: “ser lícito” não significa que seja isento de riscos ou ético em qualquer contexto.
Se houver indícios de abuso, coerção, manipulação, dominação econômica ou emocional, esse casamento pode ser anulado judicialmente. E mais: pode configurar outras formas de violência previstas tanto na Lei Maria da Penha quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente (próximo tópico).
Em casos como o da jovem de A Dócil, a assimetria entre um adulto consolidado e uma adolescente em desenvolvimento revela uma relação de poder disfarçada de romance — algo que o Direito deve observar com atenção e sensibilidade.
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🔶 Tópico 2: 🔶
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) estabelece a proteção integral de crianças e adolescentes, reconhecendo-os como sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento — ou seja, em processo de formação emocional, física e social.
O art. 5º afirma que nenhuma criança ou adolescente será objeto de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão.
Já o art. 7º assegura o direito à dignidade, ao respeito e à liberdade, protegendo-os contra qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Mesmo quando disfarçado de “casamento”, o relacionamento entre um adulto muito mais velho e um adolescente pode configurar abuso emocional, moral, sexual ou patrimonial — e tudo isso é combatido pelo ECA.
Confesso que fiquei pasmo ao descobrir que, no Brasil, um adolescente de 16 anos não pode dirigir um carro, mas pode se casar — mesmo com alguém duas, três vezes mais velho. Surreal, né?
Enfim, o ECA funciona como uma camada de proteção fundamental para esses(as) adolescentes que, apesar de “relativamente capazes” aos olhos do Código Civil, ainda estão em situação de vulnerabilidade.
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🔶 Tópico 3: 🔶
Relevância desses tópicos com o conto A Dócil
✨📖 Todos os dispositivos legais que vimos até aqui — da Lei Maria da Penha ao ECA — não servem apenas para o mundo “real”. Eles nos ajudam a ler melhor a literatura — e, mais ainda, ler melhor o que muitas vezes acontece diante dos nossos olhos e não queremos enxergar.
A Dócil, de Dostoiévski, não é um conto sobre amor. É um retrato doloroso de uma relação desigual, em que a juventude de uma adolescente é sufocada por controle, silêncio, dependência e dominação.
Quando o Direito reconhece que violência pode ser emocional, patrimonial, moral ou simbólica, ele nos dá palavras para denunciar aquilo que já sabíamos, mas não sabíamos nomear.
A literatura escancara.
Agora sabemos que no nosso Brasil, "uma dócil de 16 anos" também poderia se casar com um homem com mais do dobre de sua idade. Mas a Lei Maria da Penha aliada ao ECA, são boas armas para protegê-las caso seja necessário.
A Dócil do conto infelizmente não contou com esses mecanismos de defesa, nem com a ajuda de ninguém (muito menos sua família, que praticamente a vendeu ao Usurário). É foda... e bastante trágico.
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🔶 Tópico 4: 🔶
⚠️🚨⚠️
Onde e como denunciar abusos contra crianças e adolescentes
📞Disque 100 – Canal de denúncias anônimo e gratuito da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.
🚔190 – Polícia Militar – para situações de emergência.
📲Delegacias da Criança e do Adolescente – físicas ou online (a depender do estado).
🧑⚖️Conselhos Tutelares – presentes em todos os municípios.
Denunciar é um ato de cuidado — e uma forma de romper o ciclo de silêncio que protege o agressor.
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Chega de estudar Direito por agora!
Hora de surfar de novo no conto
🌊🏄📖
Voltando ao conto, durante a narração do Usurário (vale lembrar que o conto é uma narração ininterrupta dele para nós), vemos mais exemplos de um homem altamente controlador e abusivo:
"Eu, então, sem levantar a voz em absoluto, declarei calmamente que o dinheiro é meu, que tenho o direito de ver a vida toda com os meus olhos – e que, quando a convidei para a minha casa, não lhe havia escondido nada."
Um exemplo perfeito do que falamos acima na Lei Maria da Penha. A humilhação patrimonial e moral que o personagem causa na sua esposa é visível.
Aqui vale pensar na dificuldade que muitas mulheres passam ao terem um relacionamento com um homem abusador e que tenha o controle financeiro da casa.
Essa realidade é muito comum em relações em que a mulher, especialmente quando dona de casa, não possui renda própria e acaba submetida ao controle financeiro do parceiro.
No conto, vemos bem isso... Essa diferença de idade, unida à dependência econômica e à ausência de rede de apoio, transforma a Moça em uma figura extremamente vulnerável — algo que o Direito reconhece como condição agravante em situações de violência doméstica.
Mas focando de novo no conto, o nível de controle sobre o comportamento da moça também piora com o passar dos dias:
"O fato é que ela não tinha o direito de sair do apartamento. Sem mim não se vai a lugar nenhum, esse havia sido o acordo quando ela ainda era noiva."
O conto toma um rumo fascinante quando descobrimos que a Moça de fato começa a se rebelar da sua prisão e passa a se encontrar com um homem em segredo.
Trata-se de Iefímovitch, um antigo colega do usurário dos tempos de exercito. Aqui aprendemos que o Usurário foi expulso do exército sobre a acusação de covardia.
O conto nunca deixa claro se havia entre a Moça e Iefímovitch qualquer envolvimento amoroso ou sexual. O mais relevante, no entanto, é que a moça agora conhecia o segredo que o usurário mais temia: sua expulsão do exército por covardia.
Para ele, isso já bastava. Em sua mente de homem inseguro e abusador, ela agora ocupava uma posição de poder, e essa inversão simbólica era algo que ele simplesmente não conseguia suportar.
Aqui tampouco importa de fato os motivo exatos da expulsão do exército, mas sim que foi registrada como covardia.
O peso simbólico que isso carrega é forte: uma vergonha pessoal profunda, associada à fragilidade da masculinidade, num ambiente cultural (Rússia do século XIX) onde a honra militar era símbolo máximo de virilidade e prestígio.
Isso é fundamental pois mostra que o Usurário carrega esse fardo como um dos pontos centrais de sua insegurança masculina, um traço bastante comum em homens abusadores.
É, portanto, na sua esposa de dezesseis anos que ele consegue compensar e se sentir mais másculo, mais poderoso. Mas agora que ela conhece seu segredo de expulsão do exército... já não tanto mais.
O Usurário segue a Moça a um desses encontros e a pega no flagro conversando com Iefímovitch. É aqui que ele se certifica que, de fato, ela conhece seu passado vergonhoso.
Isso quebra o usurário, pois ele, como o ser inseguro que é, vê na sua esposa uma ameaça grave à sua imagem de homem “macho” provedor e forte.
O que acontece a seguir não é um grito, um tapa ou outra forma de agressão física. É algo ainda mais cruel, mais frio, mais simbólico.
Ao entrarem na casa, ele coloca o revólver sobre a mesa e olha para sua esposa.
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Pausa no conto!
Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no conto A Dócil:
🔶Tópico 1: Como era a legislação sobre armas na Rússia do século XIX?
🔶Tópico 2: Porte/Posse de armas de fogo no Brasil de hoje
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
Como era a legislação sobre armas na Rússia do século XIX?
Na época em que A Dócil foi escrito (1876), a Rússia era governada por Alexandre II, em pleno Império Russo.
Diferente do que temos hoje, não havia uma legislação penal unificada e moderna sobre porte de armas, mas sim um conjunto de normas imperiais e regulamentos militares/civis que variavam conforme a classe social e o contexto (nobreza, militares, camponeses etc.)
O que se sabe:
Cidadãos comuns (como camponeses e pequenos comerciantes — tinham acesso muito restrito a armas. Já as mulheres, praticamente não tinham acesso algum: eram legal e socialmente excluídas da possibilidade de possuir ou portar armas de fogo, vivendo sob total tutela masculina.
Militares, nobres e servidores públicos podiam portar armas de fogo com maior facilidade, especialmente se registradas.
Armas em ambientes urbanos eram vistas com desconfiança pelas autoridades czaristas, pois podiam indicar revolta, subversão ou perigo à ordem pública.
Portanto, na Rússia czarista do século XIX, não havia uma legislação penal estruturada como conhecemos hoje.
O porte de armas era restrito e regulado por normas imperiais, variando conforme a classe social e função pública.
🔶 Tópico 2: 🔶
Porte/Posse de armas de fogo no Brasil de hoje
Porte/Posse de armas de fogo
⚖️No Brasil, o tema das armas de fogo para a população civil é regulamentado pela Lei nº 10.826/2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento.
Essa lei estabelece regras rigorosas para a posse e o porte de armas de fogo de cidadãos civis.
Vale lembrar que o porte é a autorização para andar armado fora de casa, enquanto a posse é o direito de ter a arma dentro de casa ou no local de trabalho.
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Quem pode andar armado no Brasil?
Apenas pessoas autorizadas pela Polícia Federal ou pelas Forças Armadas podem portar armas.
Para policiais, guardas e outros profissionais da segurança pública, cabe ao Legislativo juntamente com a Policia Federal determinar essas normas.
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Quais os critérios legais para obter o porte?
Para conseguir o porte de arma de fogo, a pessoa deve:
Ter idade mínima de 25 anos;
Comprovar a necessidade efetiva (ex: risco à vida, profissão de risco);
Apresentar comprovação de idoneidade (nada na ficha criminal);
Ter ocupação lícita e residência certa;
Passar por avaliação psicológica e teste de aptidão técnica para o manuseio da arma;
Estar em dia com a documentação e taxas exigidas pela Polícia Federal.
Ou seja, não é fácil nem comum obter o porte legalmente. Ele é restrito e a maioria das pessoas não tem autorização para andar armado.
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O que caracteriza porte ilegal de arma de fogo
Andar armado sem autorização legal configura porte ilegal de arma, crime previsto no art. 14 do Estatuto do Desarmamento:
Art. 14 – Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena: reclusão de 2 a 4 anos e multa. Se a arma for de uso restrito (como armas de uso militar), a pena aumenta bastante.
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Conclusão: em ambos os contextos — o czarista do conto e o contemporâneo do Brasil — a arma sobre a mesa é menos um objeto do que uma mensagem: o controle está nas mãos de quem a detém.
😮💨
Chega de estudar Direito por agora!
Hora de surfar de novo no conto
🌊🏄📖
E assim, a dinâmica do casal, que já era tóxica, piora de vez.
O ato do revólver sobre a mesa põe a moça em um estado de alerta tal, que as coisas não voltaram a ser como antes.
O que acontece a seguir é absolutamente chocante.
Eu não vou contar o final desse maravilhoso conto, mas, como sempre, recomendo muito que leiam.
É uma obra fascinante de ler e nos ensina que os gritos silenciosos de pessoas oprimidas, às vezes são os mais altos.
⚖️Tópicos jurídicos abordados na releitura do conto A Dócil:
Diferentes formas de violência de acordo com a Lei Maria da Penha
Violência psicológica
Violência moral
Violência patrimonial
Diferença entre violência física e emocional
Invisibilidade e normalização social da violência
Desigualdade de gênero e dinâmica de controle
Silenciamento da vítima
A importância da rede de apoio
Condição de vulnerabilidade da mulher sem renda própria
Dificuldade de denúncia quando não há marcas visíveis
A lei como instrumento de nomeação e denúncia do sofrimento
O papel simbólico da narrativa literária na denúncia da violência
Casamento entre adultos e adolescentes no Brasil
Idade mínima legal para casamento (16 anos com consentimento)
Capacidade relativa a partir dos 16 anos
Contradição: pode casar, mas não pode dirigir
Diferença de idade como fator agravante simbólico
ECA: proteção integral, dignidade, desenvolvimento e respeito
Relação entre domínio adulto e apagamento da juventude
Vergonha masculina ligada à expulsão do exército
Masculinidade frágil como combustível de controle
Desejo de superioridade masculina como resposta à insegurança
Opressão como tentativa de compensação simbólica
Desigualdade como elemento “doce” ao abusador
Porte e posse de armas no Brasil atual (Estatuto do Desarmamento)
Diferença entre posse e porte
Porte ilegal de arma como crime
Legislação czarista da Rússia no século XIX
Simbolismo da arma como poder e intimidação silenciosa
Denúncia de violência contra mulheres (Ligue 180, delegacias, apps)
Denúncia de abuso infantil e adolescente (Disque 100, Conselho Tutelar)
Ausência de nomes próprios como símbolo universal
Monólogo como confissão e julgamento ao mesmo tempo
Leitor como juiz da narrativa
Representação do silenciamento da mulher na literatura
Intersecção entre literatura e Direito: nomear o que é invisível
Comparações com outras obras analisadas (O Estrangeiro, de Camus)
Comparação entre diferentes formas de violência e suas marcas
Articulação entre relatos literários e legislações reais
Gaslighting simbólico e manipulação emocional
Controle disfarçado de proteção ou amor
Isolamento intencional da vítima
Tutela como instrumento de dominação
Vulnerabilidade econômica como entrada para o abuso
Indiferença social diante da pobreza feminina
Narrador autojustificador e narcisista
Omissão familiar como cumplicidade da violência
Medo da exposição como fator de violência
Consentimento viciado no casamento
Falta de voz da vítima como exclusão simbólica do Direito
Arma como metáfora de poder e suicídio simbólico
Literatura como forma de antecipar e denunciar violações de direitos humanos
🥵😮💨
Chega de Direito.
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Agora vão ler A Dócil porque é incrível!
The end
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