📚Livro: O Estrangeiro
✍️Autor: Albert Camus
📆Ano de publicação: 1942
✨Sinopse: Meursault, um homem comum, recebe a notícia da morte da mãe e reage com uma frieza que choca os que o cercam. Pouco depois, comete um assassinato sem motivação evidente.
A partir daí, é julgado não apenas por seu crime, mas por seu comportamento social, emocional e sua falta de fé religiosa. Camus expõe com força como julgamentos morais podem atravessar e contaminar o processo da justiça.
🌎Local da história: cidade de Argel e arredores na Argélia (colônia francesa à época)
Per Fabulas, Veritas
(na ficção, a verdade)...
...então é hora de entrar no julgamento do estrangeiro
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Esta releitura jurídica foi realizada com base na leitura da obra O Estrangeiro, de Albert Camus — originalmente publicada em 1942 — a partir da edição brasileira publicada pela Editora Record, com tradução de Valerie Rumjanek, 64ª edição, impressa em 2024 (ISBN: 978-85-01-01486-3).
Antes de começarmos, alguns avisos importantes:
As ilustrações presentes nesta releitura jurídica foram geradas por inteligência artificial por meio da ferramenta Mídia Mágica do Canva (Magic Media) e ChatGPT, com prompts e curadoria visual cuidadosamente desenvolvidos por mim, especialmente para acompanhar e enriquecer o conteúdo da obra;
Tudo o que você vai ler aqui nasceu das minhas reflexões pessoais como estudante de Direito e amante da literatura;
Como abordo e menciono a obra, vou dar spoilers, não tem jeito. Mas não vou contar o final e sempre recomendo muito a leitura da obra;
Meu lema é Per fabulas, veritas — ou seja: na ficção, a verdade. Acredito que essas obras maravilhosas nos permitem pensar o mundo de forma mais sóbria, mais crítica, e talvez até mais justa;
Portanto, atenção: nada aqui se trata de orientação jurídica. Até porque — ainda não sou advogado. São apenas ideias, pensamentos e aprendizados que surgem das leituras desses livros tão magníficos e das aulas que tenho na universidade.
⚠️Se você estiver passando por uma situação que envolva questões legais, o correto é procurar a orientação de um(a) advogado(a) devidamente inscrito(a) na OAB — a Ordem dos Advogados do Brasil.
Vamos lá...
🌊🏄📖
Bora surfar no livro
"O Estrangeiro"
O Estrangeiro, de Albert Camus, é um livro relativamente curto (126 páginas na minha edição), mas absolutamente recheado de temas explosivos.
A história se passa na Argélia, quando era colônia francesa, e cada página transborda situações que deixam o leitor atônito, refletindo sobre os absurdos da vida. Sentimos o calor, os sons, as texturas da Argélia.
A obra aborda temas como a morte de familiares, maus-tratos e abuso a animais, violência contra a mulher, assassinato, porte de armas e, sobretudo, um sistema de justiça que, muitas vezes, julga mais a pessoa e se ela se comporta de um modo adequado, moral, “correto”, do que o próprio ato julgado.
Nesta reflexão, vou resumir a história (sem contar o final, como sempre), mas interrompendo o resumo em alguns pontos para propor discussões sobre como o nosso próprio sistema jurídico enxerga — ou deveria enxergar — essas mesmas situações.
Vamos lá.
A história começa com nosso protagonista, Meursault, recebendo um telegrama que comunica a morte de sua mãe.
A reação dele à notícia revela uma aparente “indiferença”. Ele diz não saber ao certo se ela morreu ontem ou hoje. Não chora. Não expressa nenhuma dor visível.
E isso já nos coloca, como leitores, diante de um desconforto: sentimos como se ele tivesse reagido de forma “errada”. Como se fosse um filho frio, ingrato, indiferente.
Essa impressão inicial, no entanto, é um dos grandes alertas do livro: julgar o comportamento de alguém como sendo correto ou incorreto, é um jogo perigoso.
Nesse exemplo, não existe um único modo de viver o luto, e tampouco um jeito certo de expressá-lo. Cada pessoa sente à sua maneira.
Quem somos nós pra julgar o comportamento de alguém ao receber uma notícia triste e forte como a morte de um familiar? Mas, mesmo assim, tendemos a julgar, e muito.
E esse julgamento moral sobre o comportamento de Meursault vai se tornar uma peça central na obra e, se tornará evidente mais adiante, no próprio tribunal em que ele será julgado.
Após receber o telegrama, Meursault então comunica ao chefe que precisará se ausentar para ir ao enterro da mãe. O chefe, contrariado, dá a permissão com bastante má vontade.
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Pausa no livro!
Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no livro O Estrangeiro:
🔶Tópico 1: Um pouco sobre a CLT - Consolidação das Leis do Trabalho
🔶Tópico 2: O que diz a CLT quando um parente morre?
🔶Tópico 3: Relevância desses tópicos com o livro
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
Um pouco sobre a CLT - Consolidação das Leis do Trabalho
⚖️Criação da CLT:
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi criada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, durante o governo de Getúlio Vargas, como parte de um conjunto de políticas trabalhistas e sociais do Estado Novo.
O governo Vargas buscava organizar e centralizar as leis trabalhistas que estavam dispersas em diversos decretos e normas.
A CLT unificou e sistematizou as leis já existentes, criando um código trabalhista abrangente.
Foi promulgada em 1º de maio de 1943, Dia do Trabalhador, como símbolo do compromisso do governo com os direitos sociais.
Inspirada por ideias do trabalhismo europeu e pelo corporativismo, a CLT também visava controlar os sindicatos e integrar o trabalhador ao projeto nacionalista do Estado Novo.
A CLT passou por diversas alterações para acompanhar mudanças econômicas, sociais e políticas.
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🔶 Tópico 2: 🔶
O que diz a CLT quando um parente morre?
⚖️No Brasil, as leis trabalhistas, codificadas pela nossa CLT permite que o empregado se ausente por morte de familiares sem prejuízo salarial:
Art. 473 – O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário:
I – até 2 (dois) dias consecutivos, em caso de falecimento do cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou pessoa que, declarada em sua carteira de trabalho e Previdência Social, viva sob sua dependência econômica;
O luto, portanto é um direito trabalhista, algo que o chefe de Meursault ignora ou pelo menos reluta em lhe propiciar.
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🔶 Tópico 3: 🔶
Relevâncias desses tópicos com o livro
No Brasil, o luto é reconhecido como um direito do trabalhador, garantido pela CLT.
✨📖No entanto, no livro, o chefe de Meursault reage com frieza e impaciência diante da notícia da morte da mãe dele, como se estivesse “fazendo um favor” ao liberá-lo.
Essa atitude nos leva a refletir sobre a humanização das relações de trabalho.
Quando o luto é visto apenas como um empecilho à produtividade, a dignidade do trabalhador é colocada em risco — e isso vai muito além do que a CLT permite ou não.
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Hora de surfar de novo no livro
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Meursault então pega um ônibus e vai até o asilo onde sua mãe vivia e onde faleceu.
Lá, durante o velório, Meursault demonstra mais interesse por seu café com leite e cigarro do que pelo ato de se despedir da mãe.
Essa postura, marcada por certo distanciamento emocional, chama a atenção tanto dos outros idosos, que se despedem com pesar e tristeza da colega, quanto dos funcionários do asilo, que percebem no filho uma atitude fria e alheia.
Ao terminar os ritos funerários, Meursault volta a Argel, onde sua indiferença em relação à morte materna segue sendo sentida:
"Pensei que passara mais um domingo, que mamãe já estava enterrada, que ia retomar o trabalho e que, afinal, nada mudara."
A história segue com Meursault voltando ao trabalho e começando um relacionamento amoroso e sexual com Marie.
Após a primeira relação sexual entre eles, Marie pergunta quando que sua mãe morreu e Meursault responde “- morreu ontem”.
Isso deixa Marie um pouco desconcertada, mas pela noite, Marie também já não toca mais no assunto. E assim a história prossegue.
Aqui passamos a conhecer dois personagens secundários, mas que trazem à tona temas fundamentais de discutirmos:
O primeiro, é o velho Salamano. Vizinho de prédio de Meursault, ele tem um cão com o qual é extremamente agressivo e violento.
A indiferença com que Meursault narra essas agressões nos revela também um aspecto importante de sua personalidade.
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Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no livro O Estrangeiro:
🔶Tópico 1: Legislação sobre mau tratos aos animais
🔶Tópico 2: Relevância desses tópicos com o livro
🔶Tópico 3: Como e onde denunciar abusos aos animais
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
Legislação sobre mau trato aos animais
No Brasil, o mau trato e abuso a animais é crime!
⚖️O Artigo 32 da Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) diz:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.
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🔶 Tópico 2: 🔶
Relevância desse tópico com o livro
✨📖Salamano (não gostamos desse personagem!!), que constantemente agride e humilha seu cão, seria enquadrado no Brasil por crime ambiental, especialmente se a denúncia fosse acompanhada de provas ou testemunhas.
No romance, essa relação abusiva é narrada de modo seco, sem julgamento direto, o que revela também a frieza de Meursault diante do sofrimento de outros.
O Brasil vem avançando na proteção animal, mas o caso mostra como comportamentos antes tolerados (como bater em animais de estimação) hoje podem — e devem — ser tratados como crime.
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🔶 Tópico 3: 🔶
⚠️🚨⚠️
Como e onde denunciar abusos aos animais
Se você testemunhar maus-tratos, negligência, abandono ou violência física contra animais, não se cale.
A crueldade contra seres vivos é crime previsto em lei federal — e denunciar é um ato de justiça e compaixão.
🐾O que pode ser considerado abuso:
Agressões físicas (espancamento, mutilação, envenenamento)
Deixar o animal sem comida, água ou abrigo
Manter o animal preso em espaço pequeno, sujo ou sem ventilação
Abandono
Negligência em casos de doença ou sofrimento
Utilização cruel para trabalho, transporte ou entretenimento
🛑Onde denunciar:
📞Disque 190 – Polícia Militar: para casos urgentes e flagrantes.
📲Disque Denúncia 181 – em estados onde o serviço está disponível.
📬Delegacias de Polícia Civil – leve provas (fotos, vídeos, testemunhas).
🐶Delegacias Especializadas em Crimes Ambientais (DEMA) – disponíveis em alguns estados.
📧Ouvidorias municipais ou estaduais do meio ambiente e da saúde.
💚Cuidar dos animais é um dever ético e legal. Eles sentem dor, medo, frio, fome e abandono. Denunciar é proteger quem não pode pedir socorro.💚
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O segundo personagem a citar, é o Raymond Sintès. Também vizinho de prédio de Meursault, ele tem relacionamento altamente abusivo com uma moça a qual maltrata e machuca muito fisicamente (e verbalmente, claro).
Novamente, a indiferença com que Meursault narra essas agressões nos revela também um aspecto importante de sua personalidade.
Como abusador clássico, Raymond tenta se justificar:
"- Não sei se entende, Dr. Meursault - disse-me. - Não que eu seja mau, o que sou é nervoso."
As descrições dos abusos físicos e verbais de Raymond em relação à moça são absolutamente tenebrosas.
E assusta muito que o nosso personagem principal, Meursault, não se comova e tente ajudá-la a livrar-se das garras desse verdadeiro predador.
Meursault inclusive ajuda a Raymond prestando na polícia um testemunho em favor do abusador.
Enfim...
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Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no livro O Estrangeiro:
🔶Tópico 1: Um pouco da história da Lei Maria da Penha
🔶Tópico 2: O que a Lei Maria da Penha garante
🔶Tópico 3: Violência contra a mulher no mundo: uma pandemia invisível
🔶Tópico 4: Relevância desses tópicos com o livro
🔶Tópico 5: Onde e como denunciar abusos às mulheres
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
Um pouco da história da Lei Maria da Penha
⚖️No Brasil, a violência doméstica e familiar contra a mulher passou a ser tratada com mais seriedade a partir da criação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), uma das legislações mais importantes do país no enfrentamento à violência de gênero.
A lei leva o nome de Maria da Penha Maia Fernandes, uma mulher brasileira que sofreu, durante anos, agressões físicas e psicológicas cometidas por seu então marido.
Em 1983, ele tentou matá-la duas vezes: primeiro com um tiro (que a deixou paraplégica) e, depois, tentando eletrocutá-la durante o banho. Mesmo com provas, o agressor demorou quase 20 anos para ser condenado.
Cansada da impunidade, Maria da Penha denunciou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e o Brasil foi responsabilizado por omissão e negligência.
A partir disso, surgiu a necessidade de uma legislação específica e mais eficaz para proteger as mulheres.
Assim, nasceu a Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006.
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🔶 Tópico 2: 🔶
O que a Lei Maria da Penha garante
⚖️Define diferentes formas de violência:
Física;
Psicológica;
Sexual;
Patrimonial;
Moral.
⚖️Permite que a mulher solicite medidas protetivas de urgência, como:
Afastamento do agressor;
Proibição de contato;
Proteção de bens e dependentes.
⚖️Determina a criação de delegacias e juizados especializados no atendimento às mulheres.
⚖️Estimula políticas públicas de prevenção, acolhimento e reeducação dos agressores.
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🔶 Tópico 3: 🔶
Violência contra a mulher no mundo: uma pandemia invisível
Segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), 1 em cada 3 mulheres no mundo já sofreu violência física e/ou sexual de um parceiro íntimo ou violência sexual por terceiros em algum momento da vida.
Esses números são tenebrosos. E verdadeiros.
A violência baseada em gênero é considerada hoje uma violação grave dos direitos humanos e um problema de saúde pública global. Ela afeta a saúde física, emocional, sexual e reprodutiva das mulheres, podendo causar traumas profundos, doenças crônicas e até a morte.
A OPAS também alerta que crises humanitárias, como pandemias, conflitos armados e desastres naturais, aumentam significativamente os casos de violência contra a mulher — principalmente dentro de casa.
Durante a pandemia da COVID, por exemplo, os índices de agressões domésticas dispararam em diversos países. Com o isolamento, muitas mulheres ficaram confinadas com seus agressores, sem acesso a redes de apoio, segurança ou acolhimento institucional.
A violência contra a mulher não se restringe a agressões físicas. Ela pode ser:
Física (espancamento, empurrões, queimaduras);
Psicológica (ameaças, humilhações, isolamento);
Sexual (estupro, coerção, abuso);
Patrimonial (controle de bens, destruição de documentos);
Moral (calúnia, difamação, insultos públicos ou privados).
💡Observação: fiz também uma releitura jurídica do conto A Dócil, de Dostoiévski, onde abordo relacionamentos abusivos, demonstrando mais uma vez o quão crucial é a Lei Maria da Penha.
Mas, diferente do que vemos nesta releitura sobre O Estrangeiro, no conto de Dostoiévski o abuso não é físico, e sim patrimonial e emocional.
Leia aqui minha releitura jurídica do conto A Dócil
⚖️A importância de leis como a Lei Maria da Penha é justamente garantir que essas múltiplas formas de violência sejam reconhecidas, combatidas e punidas com seriedade — e que as mulheres recebam proteção efetiva do Estado.
Ao analisarmos O Estrangeiro, de Camus, à luz desses dados e da legislação brasileira, percebemos que o problema da violência de gênero não é ficcional ou isolado — ele é estrutural, sistêmico e global.
Assim como a peste no livro se espalha de forma silenciosa e cruel, a violência contra a mulher também se infiltra nas casas, nos casais, nas rotinas. Ela é real, cotidiana — e invisível até ser denunciada.
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🔶 Tópico 4: 🔶
Relevância desses tópicos com o livro
✨📖Raymond comete diversas formas de violência contra a mulher — física, psicológica e moral — e ainda tenta justificá-las com frases como: “não sou mau, só nervoso”.
A mulher está, nitidamente, em situação de vulnerabilidade e não possui meios para se defender.
No Brasil, a Lei Maria da Penha garantiria a ela:
Medidas protetivas;
Afastamento do agressor;
Prisão preventiva, em caso de risco iminente.
Mais alarmante ainda é perceber que Meursault, testemunha dessas violências, não se posiciona contra. Pior: ajuda o agressor.
No Brasil, ser omisso diante de agressões pode configurar omissão penalmente relevante (art. 13, §2º do Código Penal), especialmente se a pessoa tinha condições de evitar o resultado e nada fez. Meursault, portanto, poderia se enquadrar nesse tipo de omissão.
O romance, assim, nos convida a refletir sobre a omissão diante do abuso. E nos lembra que, frente à violência contra a mulher, o silêncio também é uma forma de violência.
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🔶 Tópico 5: 🔶
⚠️🚨⚠️
Onde e como denunciar abusos às mulheres
Se você está sofrendo ou conhece alguém em situação de violência, não se cale. Denunciar salva vidas.
🛑Onde denunciar:
📞Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher (gratuito e 24h, inclusive aos fins de semana). Tempo de atendimento = menos de 1 minuto!
🚨Em casos de emergência, acione a Polícia Militar pelo 190
🏢Registre ocorrência na Delegacia da Mulher mais próxima (ou, em alguns estados, pela internet)
🤝Busque apoio em centros de referência de atendimento à mulher no seu município
🖥️Denuncie online ➡️ diferentes estados tem diferentes plataformas
🩷Denunciar também é um ato de cuidado e justiça.🩷
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Hora de surfar de novo no livro
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Após o episódio horrível de Raymond agredindo a mulher, seu irmão — identificado apenas como “o Árabe” — decide enfrentar Raymond.
Os dois se envolvem em uma briga rápida nas ruas de Argel. É uma cena tensa: o Árabe tenta defender a honra da irmã; Raymond, por sua vez, carrega uma agressividade fria e calculada.
Meursault presencia tudo, mas se mantém praticamente neutro, como se assistisse de fora.
Esse personagem, o Árabe, mal fala ao longo da obra, mas se tornará peça-chave na narrativa.
Dias depois, Raymond convida Meursault e Marie para passarem o dia em uma casa de praia que pertence a um amigo.
A viagem parece leve e agradável: Marie está animada, o mar está calmo, e o clima é de descanso. Claro que Meursault, com sua habitual apatia, observa tudo com certo distanciamento.
Ele nada com Marie, deita ao sol e até sente algum prazer naquele momento. Há uma paz silenciosa no ar, como se, por instantes, o mundo tivesse diminuído o ritmo.
No entanto, essa tranquilidade começa a se desfazer quando Raymond avista o Árabe — acompanhado de alguns amigos — observando discretamente o grupo à distância.
A presença deles à beira-mar provoca uma tensão imediata.
Inquieto, Raymond mostra a Meursault que está armado com um revólver. O alerta é claro: algo pode acontecer. Nós, como leitores, ficamos apreensivos. Meursault recebe a informação quase com indiferença, mas guarda o detalhe.
Mais tarde, Raymond e o Árabe se enfrentam novamente — agora na praia. O sol castiga. A areia queima. O suor escorre. Raymond é ferido levemente com uma faca.
Mas a briga é interrompida antes que se agrave e os grupos se separam. Mas um certo clima de tensão fica empregnada no ar. Além disso, a descrição do calor excessivo é marcante: é um dia bonito à beira-mar, mas também opressor e sufocante.
Depois da briga, enquanto todos descansam, Meursault se afasta do grupo. Sozinho, decide caminhar pela areia ardente. O calor é tenso, quase agressivo. O sol parece uma presença física, incômoda:
"Todo este calor me apertava, opondo-se a meus passos. E cada vez que sentia o seu grande sopro quente no meu rosto, trincava os dentes..."
E então ele comete um erro — não sabemos bem por quê: decide levar consigo o revólver de Raymond. Armado, caminha com passos vagos pela praia quase deserta. O tempo parece suspenso.
No outro lado da enseada, reencontra o Árabe. Agora, ele está só. Seus amigos se foram.
Os dois homens se encaram, imóveis por alguns instantes. Não há palavras. Apenas o som do mar ao fundo e o brilho do sol refletido na lâmina da faca que o Árabe empunha. Talvez por defesa. Talvez por medo.
Essa cena lembra aqueles filmes de velho oeste spaghetti — com closes tensos nos olhares, em silêncio absoluto.
Mas voltando ao livro: o sol ofusca tudo. Meursault dá um passo. O Árabe ergue ainda mais a faca. O suor queima os olhos de Meursault. A luz parece empurrá-lo. E, então, de forma estranha, em meio ao silêncio, ele atira. O corpo do Árabe cai na areia quente.
Depois disso, sem razão clara, Meursault dispara mais quatro vezes. Os tiros atravessam o corpo já caído.
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Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no livro O Estrangeiro:
🔶Tópico 1: Porte/Posse de armas de fogo
🔶Tópico 2: Defesa Pessoal
🔶Tópico 3: Fazer justiça com as próprias mãos
🔶Tópico 4: Relevância desses tópicos com o livro
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
Porte/Posse de armas de fogo
⚖️No Brasil, o tema das armas de fogo para a população civil é regulamentado pela Lei nº 10.826/2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento.
Essa lei estabelece regras rigorosas para a posse e o porte de armas de fogo de cidadãos civis.
Vale lembrar que o porte é a autorização para andar armado fora de casa, enquanto a posse é o direito de ter a arma dentro de casa ou no local de trabalho.
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Quem pode andar armado no Brasil?
Apenas pessoas autorizadas pela Polícia Federal ou pelas Forças Armadas podem portar armas.
Para policiais, guardas e outros profissionais da segurança pública, cabe ao Legislativo juntamente com a Policia Federal determinar essas normas.
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Quais os critérios legais para obter o porte?
Para conseguir o porte de arma de fogo, a pessoa deve:
Ter idade mínima de 25 anos;
Comprovar a necessidade efetiva (ex: risco à vida, profissão de risco);
Apresentar comprovação de idoneidade (nada na ficha criminal);
Ter ocupação lícita e residência certa;
Passar por avaliação psicológica e teste de aptidão técnica para o manuseio da arma;
Estar em dia com a documentação e taxas exigidas pela Polícia Federal.
Ou seja, não é fácil nem comum obter o porte legalmente. Ele é restrito e a maioria das pessoas não tem autorização para andar armado.
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O que caracteriza porte ilegal de arma de fogo
Andar armado sem autorização legal configura porte ilegal de arma, crime previsto no art. 14 do Estatuto do Desarmamento:
Art. 14 – Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena: reclusão de 2 a 4 anos e multa. Se a arma for de uso restrito (como armas de uso militar), a pena aumenta bastante.
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🔶 Tópico 2: 🔶
Defesa Pessoal
⚖️No Código Penal brasileiro, a legítima defesa é uma forma de excludente de ilicitude.
Excludentes de ilicitude são situações em que, apesar de o ato se encaixar na definição de um crime, em determinadas circunstâncias o ato não é considerado ilegal.
Exemplos clássicos de excludentes de ilicitude (art. 23 do Código Penal):
Legítima defesa
Estado de necessidade
Estrito cumprimento do dever legal
Exercício regular de direito
No entanto, para ser reconhecida, é necessário que:
a ameaça seja real e iminente,
a reação seja proporcional,
não haja excesso.
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🔶 Tópico 3: 🔶
Fazer justiça com as próprias mãos
⚖️No Brasil, é proibido “fazer justiça com as próprias mãos”.
Assim, ao matar o Árabe, Meursault não poderia alegar que estava ajudando seu amigo Raymond, ainda que quisesse usar esse pretexto (o que, de fato, nem faz).
Vamos ver o que diz a lei:
Exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do Código Penal): fazer justiça pelas próprias mãos é crime, mesmo que a motivação pareça legítima. Quando praticado sem violência, a pena é de detenção de 15 dias a 1 mês, ou multa.
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🔶 Tópico 4: 🔶
Relevância desses tópicos com o livro
Porte/posse de arma
✨📖No caso de O Estrangeiro, se a história se passasse no Brasil, Raymond e Meursault provavelmente responderiam não só pelo homicídio, mas também pelo porte ilegal de arma de fogo, caso não tivessem autorização.
O romance de Camus se passa na década de 1940, quando a Argélia ainda era uma colônia francesa. A presença de armas entre civis europeus (franceses brancos, normalmente com um status social mais elevado) era comum e, em geral, legalizada.
Já a população árabe, colonizada, sofria diversas restrições e repressões, inclusive no acesso a armas. Nesse sentido, o fato de Raymond estar armado — e o Árabe, não — também carrega um peso simbólico e uma crítica colonial.
Defesa pessoal
✨📖No caso de O Estrangeiro:
Meursault não estava mais sob ameaça direta quando decidiu pegar a arma e ir ao encontro do Árabe.
O primeiro tiro poderia até ser discutido, mas os quatro tiros adicionais (com o Árabe já caído) tornam quase impossível qualquer alegação de proporcionalidade.
Não se pode garantir nada, claro, mas se julgássemos esse caso no Brasil, Meursault não poderia ser absolvido com base em legítima defesa.
É claro que todo julgamento exige uma análise técnica e detalhada, mas, pensando sob a lente do Direito brasileiro, a situação configura um provável homicídio doloso, especialmente considerando:
a premeditação parcial (ele sai armado ao encontro do outro),
os quatro disparos adicionais após a vítima já ter caído ao chão.
No romance, esses quatro disparos extras são justamente um dos pontos do testemunho de Meursault que mais intrigam o juiz durante o julgamento.
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Fazer justiça com as próprias mãos
✨📖Nós, como sociedade, precisamos aprender a viver de forma pacífica no coletivo. Por isso, o Estado é o único detentor do poder de aplicar as leis e impor punições.
Brigar e tentar resolver por conta própria, como no caso do livro, é crime, conforme o artigo acima.
O caminho correto seria Raymond e Meursault procurarem ajuda das autoridades, relatando que o Árabe e seus amigos estavam seguindo-os até a praia com possível intenção de confronto.
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Hora de surfar de novo no livro
🌊🏄📖
Após assassinar o Árabe, Meursault é preso. É nesse momento que conhecemos dois personagens realmente fascinantes:
o Juiz, que conduz os interrogatórios e o julgamento;
e o Advogado de defesa, designado pela Defensoria Pública.
Comecemos pelo Juiz — o que mais nos chama a atenção é sua fervorosa religiosidade e sua incapacidade de aceitar que Meursault seja ateu.
O magistrado se mostra visivelmente incomodado com o fato de o réu não professar a fé cristã:
O segundo personagem fascinante dessa parte da história é o Advogado, nomeado pela defensoria pública.
Ele informa a Meursault que os funcionários do asilo de sua mãe serão ouvidos como testemunhas, já que seu comportamento no velório não havia deixado boa impressão.
E de fato, Meursault tem razão. O modo como ele se comportou durante o velório da mãe não guarda qualquer relação direta com o crime que cometeu na praia, contra o Árabe.
Mas é justamente aí que entra a questão: o julgamento que fazemos de comportamentos considerados imorais, inadequados ou “socialmente errados”, carregam culpabilidade a outras ações.
No julgamento de Meursault, o foco da acusação não é apenas o homicídio, mas também o seu comportamento social e emocional no velório da mãe.
Ele não chorou, não aparentou sofrimento, fumou e bebeu café ao lado do corpo, atitudes que, apesar de não configurarem crime algum, foram interpretadas como indícios de frieza, desumanidade e, portanto, culpa.
No entanto, no Direito brasileiro, esse tipo de associação não deve ser aceita como argumento válido para condenar alguém por um crime.
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Pausa no livro!
Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no livro O Estrangeiro:
🔶Tópico 1: O comportamento do Juiz de Meursault sobre a ótica do Direito brasileiro. Temas principais: Liberdade religiosa e Laicidade do Estado
🔶Tópico 2: O comportamento do Advogado de Meursault sobre a ótica do Direito brasileiro
🔶Tópico 3: Resumo de alguns princípios fundamentais do Devido Processo Legal, garantidos na legislação brasileira (comparando com o livro)
🔶Tópico 4 : Relevância desses tópicos com o livro
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
O comportamento do Juiz de Meursault sobre a ótica do Direito brasileiro.
Temas principais: Liberdade religiosa e Laicidade do Estado
⚖️ No Brasil, a liberdade religiosa (ou de não ter religião) é uma garantia fundamental.
Isso significa que nenhuma autoridade estatal pode impor convicções religiosas, especialmente no exercício de suas funções públicas, como é o caso de um juiz.
Isso é garantido na Constituição Federal – Art. 5º, inciso VI:
“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”
Repitamos: é inviolável a liberdade de consciência e de crença.
No entanto, Meursault não tem essa liberdade assegurada durante o seu julgamento.
O Juiz não apenas pressupõe a obrigação de fé, como também o estigmatiza por sua ausência de crença.
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⚖️Além disso, a Constituição reforça o princípio da laicidade do Estado:
Também descrito na Constituição Federal – Art. 19, inciso I:
“É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
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🔶 Tópico 2: 🔶
O comportamento do Advogado de Meursault sobre a ótica do Direito brasileiro
⚖️No julgamento penal brasileiro, a conduta do réu só pode ser avaliada com base em provas técnicas e objetivas do fato criminoso.
O comportamento fora do contexto do crime, especialmente se ligado a normas morais ou expectativas sociais (como “sofrer pela morte da mãe”), não pode influenciar a decisão judicial.
Embora a decisão judicial não caiba à defesa, é papel do advogado trabalhar com as evidências concretas. É fundamental deixar de lado qualquer moralismo sobre o que não tem cabimento naquele específico processo.
Na obra, o advogado já estava tratando Meursault como culpado, ao ver que ele não ia mentir sobre como se sentiu durante o velório de sua mãe.
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🔶 Tópico 3: 🔶
Resumo de alguns princípios fundamentais do Devido Processo Legal, garantidos na legislação brasileira (comparando com o livro)
⚖️No Brasil, temos princípios garantidos em lei para assegurar que a justiça seja feita da forma mais correta e imparcial possível.
Na obra O Estrangeiro percebemos que alguns desses princípios não foram respeitados.
Eu explico mais a fundo esses princípios (princípios da presunção de inocência, imparcialidade, devido processo legal e da vedação ao julgamento moral ou subjetivo do réu, entre outros) na reflexão que fiz sobre o livro O Processo, do Kafka.
Mas aqui vai um pequeno resumo que podemos analisar a partir da obra O Estrangeiro:
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Princípio da dignidade da pessoa humana
📜Base legal no Brasil:
Constituição Federal de 1988, art. 1º, inciso III
“A República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana.”
⚖️O que é: a dignidade da pessoa humana é o princípio central da Constituição Brasileira.
É ele que sustenta todos os demais direitos fundamentais — como o direito à vida, ao respeito, à liberdade de consciência e à integridade moral.
Significa que ninguém pode ser tratado como objeto, símbolo ou escândalo moral, independentemente do crime que tenha cometido.
Todos, inclusive o réu, tem direito a respeito, proteção jurídica adequada e julgamento sem humilhação.
✨📖No livro: em O Estrangeiro, Meursault é desumanizado do início ao fim do processo.
Seu advogado, ao invés de protegê-lo, questiona se ele chorou ou não no enterro da mãe — como se isso fosse uma prova contra ele.
O promotor e o juiz se concentram mais no seu comportamento pessoal e na ausência de fé do que nos fatos do crime.
A corte não julga apenas um homicídio, ela julga o modo como Meursault existe.
O resultado é um processo moralizante, onde o réu não é visto como uma pessoa, mas como um símbolo a ser condenado.
E isso é exatamente o que a Constituição brasileira busca evitar ao afirmar, logo em seu primeiro artigo, que a dignidade humana é inegociável.
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Princípio da presunção de inocência
📜Base legal no Brasil:
Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso LVII
“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
⚖️O que é: o princípio da presunção de inocência garante que toda pessoa é considerada inocente até que se prove o contrário.
Essa prova deve ser feita com base em um julgamento justo, com respeito ao contraditório, à ampla defesa e à produção de provas válidas.
Ou seja, não se pode formar um juízo de culpa antecipado, muito menos com base em impressões morais, religiosas ou sociais sobre o réu.
Desde o tempo do Direito Romano já existia o princípio do In Dubiu Pro Reu (na dúvida pro réu), onde enquanto o réu não é considerado culpado, devemos tratá-lo como inocente.
✨📖No livro: em O Estrangeiro, Meursault é tratado como culpado desde o início — não apenas pelo crime cometido, mas pelo modo como vive.
Seu comportamento durante o velório da mãe, sua aparente frieza emocional e até sua falta de fé religiosa são usados como argumento contra ele, antes mesmo da análise objetiva dos fatos.
O julgamento deixa de lado as provas concretas e se torna um tribunal moral.
Meursault é julgado não pelo homicídio, mas por ser "um tipo de pessoa" que incomoda: fria, indiferente, deslocada.
E isso fere diretamente o princípio da presunção de inocência, pois seu destino parece selado antes mesmo que o processo termine.
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Princípio do devido processo legal
📜Base legal no Brasil:
Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso LIV
“Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”
⚖️O que é: o devido processo legal é um dos fundamentos centrais do Estado Democrático de Direito.
Ele assegura que qualquer pessoa acusada de um crime só poderá ser julgada ou punida se todas as garantias forem respeitadas: direito à ampla defesa, ao contraditório, à prova legalmente produzida e à atuação de um juiz imparcial.
Também significa que ninguém pode ser punido por critérios vagos, morais ou subjetivos, mas apenas por atos tipificados em lei e devidamente comprovados.
Ou seja: o processo deve ser técnico, imparcial, racional. Nunca emocional ou moralizante.
É isso que impede que julgamentos virem linchamentos simbólicos.
✨📖No livro: em O Estrangeiro, o processo de Meursault parece respeitar a forma, mas desrespeita completamente o conteúdo do devido processo legal.
A acusação desvia o foco dos fatos concretos do crime e se concentra em seu comportamento pessoal: o modo como viveu, sua relação com a mãe, sua falta de fé, sua frieza.
O julgamento torna-se uma espécie de ritual punitivo, em que Meursault não é acusado apenas pelo que fez — mas pelo que é.
Seu estilo de vida, sua apatia, sua “ausência de sentimento” se tornam, na prática, os verdadeiros “crimes” julgados.
Pior: o juiz se mostra religiosamente parcial, o promotor adota um tom condenatório desde o início, e o advogado de defesa parece mais preocupado com a aparência do cliente do que com sua proteção.
É a completa inversão do devido processo legal:
→ Em vez de um réu protegido por um sistema racional e técnico, temos um homem julgado por simbolismo, emoção e preconceito.
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Princípio da imparcialidade do julgador
📜Base legal no Brasil:
Constituição Federal de 1988, art. 5º, caput
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...].”
Esse princípio também decorre da interpretação sistemática do art. 5º, inciso LIV (devido processo legal) e de diversos tratados internacionais de direitos humanos, como o Pacto de San José da Costa Rica.
⚖️O que é: a imparcialidade do julgador é um pressuposto essencial da justiça.
Um juiz não pode tomar partido, antecipar juízos ou permitir que suas crenças pessoais, morais ou religiosas influenciem sua decisão.
Sua atuação deve se restringir aos fatos e às provas dos autos, sempre com equilíbrio, técnica e respeito à legalidade.
Quando um juiz se comporta como parte, ou como alguém “ofendido” pelo réu, o processo perde legitimidade e a justiça se transforma em punição moral.
✨📖No livro: no julgamento de Meursault, o juiz ultrapassa todos os limites esperados de neutralidade.
Não apenas demonstra desconforto com a frieza do réu, mas insiste em discutir sua falta de fé de forma quase obsessiva.
Sua atitude se aproxima mais de um sacerdote incomodado com a heresia do que de um magistrado comprometido com a justiça laica.
O julgamento é conduzido num tom de ironia e desprezo.
A figura do juiz, que deveria garantir um julgamento técnico, transforma-se num símbolo de repulsa, reforçando um ambiente contaminado por moralismo, religiosidade e intolerância.
Esse comportamento viola frontalmente o princípio da imparcialidade, pois o réu deixa de ser protegido por um sistema racional e passa a ser combatido por um julgador emocionalmente envolvido — o que, no Brasil, seria motivo suficiente para a suspeição ou substituição do magistrado.
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🔶 Tópico 4: 🔶
Relevância desses tópicos com o livro
✨📖Fica evidente, portanto, que o julgamento de Meursault é contaminado por parcialidade religiosa (pelo olhar crítico de seu juiz) e moralizante (pelo seu advogado da defensoria pública).
Além disso, basta vermos os princípios acima sendo quebrados e desrespeitados para que o julgamento tenha sido feito sem o devido processo legal.
Não por acaso, o próprio juiz chega a apelidá-lo de “Senhor Anticristo” e a tratá-lo de modo visivelmente hostil e desinteressado ao descobrir que Meursault era ateu.
Com o juiz, Meursault passa a ser tratado como culpado uma vez que se mostra ateu.
E com o advogado, ele passa a ser tratado como culpado, quando afirma que o que se passou no velório da mãe não tem nenhuma ligação com o crime em julgamento e, portanto, não há porque alterar os fatos.
Tem inclusive uma passagem no livro, onde Meursault descreve o seu advogado e o juiz conversando por ele, de modo como se ele não existisse:
“Às vezes, quando a conversa era de ordem geral, eles também me deixavam participar.”
Ou seja, sinto que o julgamento de Meursault poderia ter sido melhor conduzido, uma vez que estilo de vida, crenças e comportamentos completamente irrelevantes ao caso, vieram sim a pesar sobre seu julgamento.
Isso fere diretamente os princípios da presunção de inocência, imparcialidade, devido processo legal e da vedação ao julgamento moral ou subjetivo do réu.
Enfim, o julgamento moral imposto a Meursault compromete tanto sua dignidade quanto o próprio ideal de justiça.
O Direito Penal moderno busca avaliar o fato, não a pessoa. Julgar alguém por não seguir padrões sociais (como chorar em um velório, acreditar em Deus ou demonstrar emoção) não é papel da Justiça criminal.
A legislação não pune pessoas por serem frias, ateias, indiferentes ou não-convencionais — ela pune por atos, não por personalidade.
Ainda assim, a ficção de Camus nos mostra como, na prática, os julgamentos morais e sociais influenciam até mesmo os julgamentos jurídicos.
Em O Estrangeiro, todo o julgamento de Meursault parece ocorrer mais por ele não se encaixar nas “expectativas sociais” do que por aquilo que ele realmente fez. Isso contraria diretamente a ideia de justiça objetiva e racional
😮💨
Chega de estudar Direito por agora!
Hora de surfar de novo no livro
🌊🏄📖
Termina o julgamento de Meursault e o veredito é…
bem, não vou contar o final da obra.
Mas, como sempre, recomendo muito que leiam! O Estrangeiro é realmente genial.
Como eu disse no começo dessa releitura jurídica, essa obra magnífica é até pequena em tamanho, mas absolutamente gigantesca em força.
Camus nos apresenta comportamentos absurdos de vários personagens do livro: alguns gravíssimos, outros nem tanto, mas todos que nos provocam a julgar.
Julgar é humano. Mas fazer justiça exige mais que instinto — exige razão, isenção e técnica. Euzinho adoraria ver o velho Salamano responsabilizado por maltratar seu cão, ou Raymond preso por abusar da mulher. E, sim, são crimes graves.
Mas esses atos não têm qualquer relação com o crime cometido por Meursault na praia. Tampouco o é o fato de Meursault ter sido um filho pouco afetuoso com a mãe falecida. Falta de gentileza não é crime. A lei julga atos, não afetos.
Tem uma passagem na obra, durante o julgamento que ilustra muito bem isso:
O advogado de Meursault diz:
“- Afinal, ele é acusado de ter enterrado a mãe ou de matar um homem?”
ao que o promotor no livro responde:
“-Sim - exclamou com veemência -, acuso este homem de ter enterrado a mãe com um coração de criminoso.”
Oi??
✋
Pausa no livro!
Hora do olhar jurídico:
🧐
📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no livro O Estrangeiro:
🔶Tópico 1: O papel do Direito
🔶Tópico 2: Outras condutas pelas quais Meursault poderia sim ser responsabilizado
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
O Papel do Direito
O Direito e as leis existem justamente para isso: nos afastar das paixões, dos achismos e das opiniões pessoais, orientando-nos rumo à justiça de forma imparcial e equilibrada.
O Direito Penal brasileiro não é instrumento para punir estilos de vida. A personalidade do acusado pode ser considerada para dosar a pena, sim — mas jamais para criar um crime onde não há fato típico, ilícito e culpável.
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🔶 Tópico 2: 🔶
Outras condutas pelas quais Meursault poderia sim ser responsabilizado
Não ter defendido o animal em perigo, com base na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998, art. 32), que trata dos maus-tratos contra animais.
Ser cúmplice da violência praticada por Raymond, o que poderia configurar, por exemplo, omissão penalmente relevante (Código Penal, art. 13, §2º), ou até violência doméstica, com base na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), caso se encaixasse no contexto.
Eventualmente ser investigado por abandono de incapaz ou de idoso, conforme previsto no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003, art. 98), caso sua conduta com relação à mãe se configurasse como tal.
Mas esses atos devem ser apurados em separado, e não podem interferir no julgamento do homicídio cometido na praia.
Muito menos o fato de Meursault ser ateu, indiferente ou pouco expressivo emocionalmente.
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✨📖O Estrangeiro é um livro poderoso justamente por isso:
Ele nos lembra de que não é apenas a letra da lei que julga — mas também o olhar de quem aplica, o moralismo de quem observa, o preconceito que insiste em se esconder por trás da neutralidade.
Quando a justiça se torna um teatro da normalidade, basta ser diferente para ser culpado.
Por isso, essa obra continua sendo um alerta necessário — não só para juristas e estudantes, mas para qualquer leitor disposto a encarar o desconforto de ver, na ficção, uma verdade amarga sobre o nosso mundo.
Vamos tentar julgar menos e analisar mais. Porque, no fim das contas, o Direito também pode aprender muito com a literatura.
E é nisso que eu acredito: Per fabulas, veritas (na ficção, a verdade).
⚖️Tópicos jurídicos abordados na releitura do livro O Estrangeiro:
Direito ao luto como direito trabalhista (CLT)
Desumanização nas relações de trabalho
Maus-tratos a animais como crime ambiental
Omissão diante de violência contra animais
Violência doméstica e a Lei Maria da Penha
Omissão penalmente relevante diante de crimes
Porte ilegal de arma de fogo
Limites da legítima defesa
Justiça com as próprias mãos (art. 345 do CP)
Racismo estrutural e colonialismo jurídico implícito
Julgamento moral da personalidade do réu
Liberdade religiosa e laicidade do Estado
Atuação parcial do juiz por convicções religiosas
Passividade e moralismo do advogado de defesa
Princípio da dignidade da pessoa humana
Princípio da presunção de inocência
Princípio do devido processo legal
Princípio da imparcialidade do julgador
Julgamento simbólico em vez de técnico
Preconceito contra réus que não seguem padrões sociais
A justiça como instrumento de exclusão do “estranho” ou do socialmente "errado"
Direito penal como ferramenta de moralização social
Influência da opinião pública no processo penal
Confusão entre moral, religião e lei
Cultura da punição simbólica
Invisibilização das garantias processuais do réu
Quando o Direito esquece a técnica e cede à emoção
Julgamento do estilo de vida como fator condenatório
Responsabilidade penal por omissão diante da violência
O papel do Direito como limite à moral coletiva
"Mesmo no banco de réus, é sempre interessante ouvir falar de si mesmo. Durante as falas do promotor e do meu advogado, posso dizer que se falou muito de mim, e talvez até mais de mim do que do meu crime."
🥵😮💨
Chega de Direito.
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Agora vão ler O Estrangeiro porque é incrível!
The end
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🙂 😐 😕
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