📚Livro (conto): O Alienista
✍️Autor: Machado de Assis
📆Ano de publicação: 1882
✨Sinopse: No pequeno município de Itaguaí, o renomado médico Simão Bacamarte inaugura a Casa Verde, um asilo destinado ao estudo e tratamento das doenças mentais.
À medida que suas internações aumentam de forma desproporcional, incluindo pessoas perfeitamente lúcidas, a cidade mergulha em um clima de desconfiança e, eventualmente, terror.
🌎Local da história: Município de Itaguaí, RJ
Per Fabulas, Veritas
(na ficção, a verdade)...
...então é hora de entrar nas loucuras da Casa Verde
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Esta releitura jurídica foi baseada na leitura de O Alienista, de Machado de Assis — publicado originalmente em 1882 no periódico A Estação e reunido em Várias Histórias (1896).
A edição consultada pertence à coleção Clássicos Brasileiros, da Edições de Ouro, com introdução e notas de M. Cavalcanti Proença, impressa pela Tecnoprint Gráfica S.A., no Rio de Janeiro.
Por se tratar de uma edição antiga (anterior à padronização internacional do ISBN no Brasil), este exemplar não possui registro numérico e apresenta uma acentuação distinta da norma ortográfica vigente.
Durante esta releitura jurídica, quando mostro trechos do livros, as normas de acentuação e ortografia são diferentes das atuais. Mas mantive o português como o autor escreveu, mesmo que pareça "errado".
Esse conto é incrível. Trata-se de uma peça de valor afetivo e histórico, pertencente ao acervo pessoal de meu pai. Ele leu esse livro no ano 1970, quando tinha 12 anos.
Antes de começarmos, alguns avisos importantes:
As ilustrações presentes nesta releitura jurídica foram geradas por inteligência artificial por meio da ferramenta Mídia Mágica do Canva (Magic Media) e ChatGPT, com prompts e curadoria visual cuidadosamente desenvolvidos por mim, especialmente para acompanhar e enriquecer o conteúdo da obra;
Tudo o que você vai ler aqui nasceu das minhas reflexões pessoais como estudante de Direito e amante da literatura;
Como abordo e menciono a obra, vou dar spoilers, não tem jeito. Mas não vou contar o final e sempre recomendo muito a leitura da obra;
Meu lema é Per fabulas, veritas — ou seja: na ficção, a verdade. Acredito que essas obras maravilhosas nos permitem pensar o mundo de forma mais sóbria, mais crítica, e talvez até mais justa;
Portanto, atenção: nada aqui se trata de orientação jurídica. Até porque — ainda não sou advogado. São apenas ideias, pensamentos e aprendizados que surgem das leituras desses livros tão magníficos e das aulas que tenho na universidade.
⚠️Se você estiver passando por uma situação que envolva questões legais, o correto é procurar a orientação de um(a) advogado(a) devidamente inscrito(a) na OAB — a Ordem dos Advogados do Brasil.
Vamos lá...
🌊🏄📖
Bora surfar no conto
"O Alienista"
O Alienista é um dos contos mais famosos do grande escritor Machado de Assis. A história é curta, mas em suas menos de cem páginas, o leitor termina com os pelinhos do pescoço arrepiados.
A narrativa gira em torno de um médico de prestígio acadêmico e social, o Dr. Simão Bacamarte, também chamado de o Alienista, que se muda para o município de Itaguaí com sua esposa, Dona Evarista.
A vinda do famoso médico e de sua cara metade causam uma verdadeira comoção na vila. Todos os habitantes ficam curiosos sobre esse novo personagem que veio mudar os ares da pacata Itaguaí.
A comoção e curiosidade do povo crescem ainda mais quando o Dr. Bacamarte anuncia que queria construir um lugar onde pudesse “agasalhar” todos os loucos da cidade.
A ideia de existir uma casa onde todos que tivessem algum transtorno da mente vivessem juntos, causou grande estranhamento. Até então...
"A vereança de Itaguaí, entre outros pecados de que é arqüida pelos cronista, tinha o de não fazer caso dos dementes. Assim é que cada louco furioso era trancado em uma alcova, na própria casa e, não curado, mas descurado, até que a morte o viesse defraudar do benefício da vida..."
Houve resistência inicialmente, da população local. Uma casa para os loucos? Essa era a questão que rondava a cabeça dos habitantes de Itaguaí.
E como sabemos, velhos costumes são difíceis de mudar e até o vigário local foi ter palavras com a esposa do médico para ver se aquilo era mesmo uma boa ideia.
Mas enfim, Simão Bacamarte, diga-se o que quiser dele (e falaremos de tudo um pouco), era um homem que sabia o que queria e nada o tirava de seu rumo.
Assim foi, que ao se instalar na cidade, o Dr. Bacamarte, constrói a famosa Casa Verde, que será o local onde seus experimentos científicos e médicos vão ocorrer.
A Casa Verde ganha esse nome por conta das janelas pintadas de verde e é nela que Bacamarte decide desenvolver seus estudos psiquiátricos.
Em termos práticos: trata-se de um hospício. Ou, como se diria hoje, uma instituição de internação psiquiátrica.
Após chegar na cidade, com grande pompa e admiração da população local, Simão Bacamarte, ou o Alienista, começa a estabelecer uma relação bastante próxima com a Câmara Municipal de Itaguaí.
É nesta Câmara, onde apresenta e defende seu projeto aos vereadores.
Sua eloquência é tamanha que não só a Câmara autoriza o funcionamento da Casa Verde, como cria um imposto específico para subsidiar o...
“tratamento, alojamento e mantimento dos doidos pobres.”
Algo ali... começa a cheirar, senão a uma evidente corrupção financeira (o que não se pode afirmar com certeza), ao menos a uma omissão grave por parte do órgão governamental.
Após autorizar o funcionamento da Casa Verde, a Câmara Municipal não cria nenhum mecanismo de auditoria, controle ou fiscalização sobre o funcionamento da nova instituição psiquiátrica.
Lembremos que o poder municipal deve representar os interesses da população local.
Mas, em Itaguaí, os vereadores, com uma ou outra exceção, parecem mais preocupados em agradar o novo doutor do que em proteger o bem público.
Após dias de festa e pompa, Itaguaí tinha o Dr. Simão Bacamarte e Dona Evarista, sua nova esposa como habitantes oficiais e bem-vindos da Vila.
A Casa Verde então dá início a seu funcionamento e festas locais celebram os novos tempos que viriam.
Mal sabiam eles que a loucura estava apenas por começar.
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Pausa no conto!
Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no conto O Alienista:
🔶Tópico 1: Divisão dos Poderes
🔶Tópico 2: As Câmaras Municipais
🔶Tópico 3: Relevância desses tópicos com o conto
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
Divisão dos Poderes
⚖️Os Três Poderes no Brasil
Antes de falarmos das Câmaras Municipais e da situação de Itaguaí, aqui vai um breve apanhado sobre como o poder é organizado no Brasil — afinal, entender quem faz o quê é essencial para saber quem deveria estar fiscalizando quem.
A estrutura da nossa República é baseada na separação entre três poderes.
Cada um tem um papel específico na democracia. Vamos por partes:
🏢Poder Executivo: responsável por administrar e implementar políticas públicas e colocar as normas que o legislativo cria em prática.
Federal: Presidente da República
Estadual: Governador do Estado
Municipal: Prefeito(a)
═══ ⚖️ ═══
📃Poder Legislativo: responsável por criar normas, leis, debater políticas públicas e fiscalizar o Executivo.
Federal: Congresso Nacional = Senado Federal + Câmara dos Deputados
Estadual: Assembleia Legislativa Estadual
Municipal: Câmara de Vereadores
═══ ⚖️ ═══
⚖️Poder Judiciário: responsável por interpretar e aplicar as leis, resolver conflitos e garantir a justiça.
Federal: STF, STJ, TRFs e demais tribunais superiores
Estadual: Tribunais de Justiça Estaduais
Municipal: Não há Judiciário municipal. Os juizados e varas locais pertencem ao Judiciário estadual.
═══ ⚖️ ═══
Os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) são autônomos e independentes entre si, mas trabalham em harmonia para garantir o funcionamento democrático.
Não há hierarquia entre eles.
══ ⚖️ ══
🔶 Tópico 2: 🔶
As Câmaras Municipais
O papel das Câmaras Municipais
⚖️No nível municipal então, o Poder Legislativo é representado pela Câmara dos Vereadores, eleitos pela população da cidade.
As Câmaras Municipais tem entre seu escopo de responsabilidades:
Criar leis locais (locais, municipais apenas),
Aprovar o orçamento municipal,
Fiscalizar o prefeito e todos os órgãos que utilizam dinheiro público na cidade.
A Constituição Federal deixa claro que a fiscalização do município é dever da Câmara, com apoio dos Tribunais de Contas.
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🔶 Tópico 3: 🔶
Relevâncias desses tópicos com o conto
✨📖Em O Alienista, vemos que a Câmara de Itaguaí aprova a criação da Casa Verde, destina dinheiro público para sua manutenção e... depois some.
Não exige relatórios. Não cobra transparência. Não verifica os critérios médicos.
Em outras palavras: a Câmara abandona seu papel fiscalizador. E isso abre espaço para o autoritarismo do Dr. Bacamarte.
Ao ignorarem seu dever de controle, os vereadores de Itaguaí deixam de atuar como legítimos representantes da população, permitindo que a Casa Verde se transforme em uma instituição praticamente inquestionável.
O resultado é o crescimento desmedido do poder nas mãos de uma única figura: o médico.
Esse abandono da fiscalização democrática revela que a omissão política também é uma forma de violência — sutil, silenciosa, mas profundamente perigosa.
Ao longo da narrativa, não faltam ocasiões em que a Câmara poderia ter contido o avanço autoritário do Dr. Bacamarte — mas escolhe o silêncio.
E o silêncio, nesse caso, é cumplicidade...
😮💨
Chega de estudar Direito por agora!
Hora de surfar de novo no conto
🌊🏄📖
Bom, voltando então ao conto de Machado. Vimos que a fiscalização que a Casa Verde recebia da Câmara era nula e que tampouco havia órgãos de fiscalização existentes.
À medida que o conto se desenvolve, vemos que a ambição científica do Dr. Bacamarte passa a crescer também.
"A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente."
E assim, o Alienista começa a prender na Casa Verde (ou mandar recolher, como ele denomina o ato de os internar compulsoriamente) pessoas completamente sãs, tornando-as pacientes contras suas vontades.
O primeiro “paciente” recolhido é o Costa.
"Quatro dias depois, a população de Itaguaí ouviu consternada a notícia de que um certo Costa fôra recolhido à Casa verde.
– Impossível!
– Qual impossível. foi recolhido hoje de manhã.
– Mas na verdade, êle não merecia... Ainda em cima! depois de tanto que êle fez...
Costa era uma dos cidadãos mais estimados de Itaguaí."
Esse trecho acima é a abertura do capítulo cinco, intitulado “O Terror”.
E o título faz jus... o Alienista começa a prender pessoas que não faziam mau algum a ninguém e que de fato não eram clinicamente perigosas ou instáveis.
O Costa, a primeira vítima a ser recolhida, teve sua internação justificada pelo fato de ter torrado toda sua herança de modo irresponsável.
Se usar mal dinheiro fosse sinal de loucura, meio mundo estaria internado. A minha família pelo menos estaria!
O conto mostra que várias pessoas foram falar com o Alienista sobre a internação do Costa. O doutor as ouvia mas rebatia, respondendo que...
“...êle não podia deixar na rua um mentecapto.”
Uma dessas pessoas que implorou (com excelentes argumentos, diga-se de passagem) pela soltura do Costa, foi sua prima.
E após ouvi-la, o Dr. Bacamarte ponderou por alguns breves segundos e resolveu que ela também tinha algum desvio da mente. Internou-a com tamanha rapidez e frieza que...
"... ninguém mais se atreveu a procurar o terrível médico."
Assim como o Costa, a sua prima era adorada na cidade.
Isso deixou Itaguaí extremamente assustada. Mas mal sabiam eles que era apenas o começo de uma longa saga da doideira humana.
Após isso, o Alienista prende Mateus, um homem também querido na vila. Sua loucura? O fato de que amava a arquitetura de uma casa e a ficava admirando, em demasia.
Depois foi a vez de um homem, que durante uma festa da alta sociedade de Itaguaí, faz elogios à esposa do Dr. Bacamarte.
E assim, mais e mais gente, começa a ser internada, pelos motivos mais diversos e absurdos. Menos o de realmente serem psiquiatricamente incapazes.
"Cárcere privado: eis o que se repetia de norte a sul e de leste a oeste de Itaguaí."
O clima na cidade passa a ser um de medo extremo, onde todos estão sentindo a vulnerabilidade de possivelmente serem internados contra suas vontades.
Até porque o ilustre doutor estava detendo pessoas pelas coisas mais estapafúrdias, como admirar em demasia a arquitetura de uma casa.
Inclusive a esposa do Dr. Bacamarte, fica em choque com a quantidade de pessoas que seu marido está internando.
"D. Evarista achou realmente extraordinário que tôda aquela gente ensandecesse; um ou outro vá; mas todos?"
Importante ressaltar que nesse meio tempo, a Câmara não interveio nem nenhuma outra entidade (não que houvessem órgãos de controle naquela época, como veremos adiante).
À medida que o Alienista prende uma quantidade absurda de habitantes, muitos tentam inclusive fugir da vila de Itaguaí.
Normalmente eram pegos nessa tentativa de fuga e, à força, internados na Casa Verde.
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Pausa no conto!
Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no conto O Alienista:
🔶Tópico 1: Um pouco de nossa (tenebrosa) história
🔶Tópico 2: A Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/2001)
🔶Tópico 3: Como é feita a internação hoje
🔶Tópico 4: Relevância desses tópicos com o conto
🔶Tópico 5: Como denunciar internações forçadas, maus-tratos e abuso médico (graves violações de direitos humanos)
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
Um pouco de nossa (tenebrosa) história
No conto O Alienista, vimos que o médico Simão Bacamarte tem poder absoluto: decide quem é são e quem deve ser internado.
As suas decisões eram muitas vezes, com base em critérios morais, religiosos ou até políticos (e até quiçá por ciúmes em relação à sua esposa).
😥E se eu te disser que, até bem recentemente, o Brasil viveu algo parecido?
Antes da Lei 10.216/2001, o modelo manicomial era seguido no nosso país.
Até o início dos anos 2000, o Brasil operava com base num modelo hospitalocêntrico e manicomial.
A internação era regra, não exceção. Internar alguém contra a sua vontade era simples. Bastava o aval de um médico, de um familiar ou, em alguns casos, nem isso.
Muitas dessas instituições eram chamadas de colônias psiquiátricas ou hospitais de custódia, e algumas se tornaram tristemente famosas por denúncias de abandono, maus-tratos, tortura, superlotação e internações arbitrárias.
Um caso emblemático foi o da Colônia de Barbacena, em Minas Gerais, conhecida como "o Holocausto brasileiro". Estima-se que mais de 60 mil pessoas tenham morrido internadas ali, muitas sem diagnóstico clínico.
A reportagem "Hospital Colônia de Barbacena: Os horrores do Holocausto brasileiro" do site Aventuras na História mostra bem os horrores dessa época.
Era comum a internação de pessoas “indesejadas” pela sociedade: mulheres consideradas “rebeldes”, alcoólatras, homossexuais, pobres, órfãos e até pessoas “difíceis” de conviver. Sim, pasmem. Até 2001 era assim.
Ou seja, se você não seguisse o molde dito como correto pelo status-quo machista, colonialista, elitista e heterossexual, poderiam te internar.
E convenhamos que foi bem isso que o personagem Dr. Simão Bacamarte fez no poderoso conto de Machado de Assis.
Esse modelo violava claramente o que hoje entendemos como dignidade da pessoa humana, um princípio central da Constituição Federal de 1988, que passou a orientar toda a legislação do país.
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🔶 Tópico 2: 🔶
A Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/2001)
⚖️Aprovada em 2001, a chamada Lei da Reforma Psiquiátrica representou uma ruptura profunda com a lógica manicomial.
A lei estabeleceu que:
A internação deve ser a última alternativa em um plano terapêutico,
O tratamento deve priorizar o atendimento em liberdade e em serviços comunitários (como os Centros de Atenção Psicossocial - CAPS),
Toda internação precisa de laudo médico fundamentado,
Em casos de internação involuntária, o hospital deve notificar o Ministério Público em até 72h,
O paciente e sua família têm direito a informação, participação e acompanhamento,
O tratamento deve respeitar os direitos humanos, sem estigmas ou violências institucionais.
Nota-se a incrível diferença entre o que víamos no Brasil antes dessa fundamental mudança legislativa.
Isso se deve graças à Constituição Federal de 1988, que operou muito forte em cima de valores de dignidade humana e de respeito ao ser humano.
Leis prévias que infringiam esses novos valores de dignidade humana e cidadã passaram a ser considerados inconstitucionais e deveriam ser alteradas.
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🔶 Tópico 3: 🔶
Como é feita a internação hoje
🩺Atualmente, a legislação brasileira reconhece três tipos de internação psiquiátrica: voluntária, involuntária e compulsória.
Cada uma tem suas características e exigências legais.
A internação voluntária acontece quando o paciente concorda com o tratamento e assina um termo de consentimento.
Nesse caso, é necessário um laudo médico que justifique a internação e a assinatura formal do paciente.
Já a internação involuntária ocorre sem o consentimento do paciente, geralmente solicitada por familiares ou responsáveis.
Mesmo nesses casos, é obrigatório haver um laudo médico justificando a necessidade, e o Ministério Público deve ser notificado em até 72 horas.
Por fim, temos a internação compulsória, que só pode ser realizada por decisão judicial. Para isso, é necessário um pedido médico fundamentado, e a Justiça decide se a medida será autorizada.
Ou seja, hoje, ninguém pode ser internado só por parecer “fora do padrão”, como era nos tempos horripilantes de instituições como Barbacena.
Mesmo as pessoas consideradas incapazes (e veremos mais adiante, nesta releitura, como o Direito classifica os indivíduos como capazes, relativamente incapazes e absolutamente incapazes) não perdem sua dignidade nem seus direitos.
Essa é uma conquista assegurada pela Constituição Federal de 1988 e fortalecida pela Lei da Reforma Psiquiátrica.
Hoje em dia, ninguém pode ser mantido em instituições psiquiátricas apenas por parecer “fora do padrão”, muito menos por capricho de médicos ou familiares.
Esses critérios foram estabelecidos para proteger os direitos das pessoas e evitar abusos, como os que vemos acontecer no conto O Alienista, onde não havia qualquer tipo de controle médico, jurídico ou institucional.
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🔶 Tópico 4: 🔶
Relevâncias desses tópicos com o conto
✨📖Simão Bacamarte poderia ter feito o que fez se vivesse hoje no Brasil? Muito dificilmente🙏
Ele precisaria prestar contas aos conselhos de medicina, ao Ministério Público, à justiça, e à própria sociedade.
A legislação atual ainda não é perfeita e o estigma sobre a saúde mental continua. Mas estamos longe da arbitrariedade dos tempos sombrios da Casa Verde e de Barbacena.
A Justiça é quem deve decidir sobre a interdição de alguém — não um médico sozinho e sem fiscalização, e muito menos uma Câmara de Vereadores submissa, como era o caso de Itaguaí.
A história de Bacamarte é ficção mas é também uma denúncia atemporal de como o abuso de poder, aliado à ausência de controle jurídico, pode transformar a ciência em instrumento de opressão.
O Alienista, apesar de ser uma obra do século XIX, nos alerta sobre perigos que ainda rondam a sociedade: o uso da autoridade médica para justificar violações de direitos, a conivência das instituições e a facilidade com que o “diferente” pode ser transformado em ameaça.
Hoje temos leis, conselhos, garantias constitucionais — mas nenhuma estrutura, por si só, é à prova de autoritarismo.
É preciso manter viva a consciência crítica, o controle social e a valorização da escuta.
Porque, como nos ensina Machado, o mais perigoso não é o louco que se julga são, mas o sistema que lhe dá carta branca — como vimos acontecer em Itaguaí (nas páginas da ficção) e em Barbacena (infelizmente, nas páginas da nossa história real).
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🔶 Tópico 5: 🔶
⚠️🚨⚠️
Como denunciar internações forçadas, maus-tratos e abuso médico (graves violações de direitos humanos)
Se você presenciar ou souber de alguém sendo internado contra a vontade, sem justificativa médica adequada, sem laudo ou sem acompanhamento de órgãos responsáveis é importante denunciar!
Internações forçadas, maus-tratos e abuso médico são graves violações de direitos humanos.
🛑 Onde denunciar:
📞Disque 190 – Polícia Militar: para casos urgentes e flagrantes.
⚖️Ministério Público (MP) – fiscal dos direitos fundamentais. Cada estado tem uma Promotoria de Justiça que atua na área da saúde mental e dos direitos da pessoa com deficiência. Existe também o Ministério Público Federal (MPF).
🩺Conselho Federal de Medicina (CFM) – recebe denúncias contra médicos que atuam fora dos limites éticos e legais.
📞Disque 100 – canal nacional para denúncias de violações de direitos humanos. Atendimento gratuito e anônimo.
📬Ouvidoria do SUS + Ouvidorias Municipais/Estaduais de Saúde – canais oficiais para relatar abusos ou negligência no sistema público de saúde.
🧠CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) – embora sejam centros de cuidado, também podem acolher relatos de irregularidades e orientar sobre como agir.
♥️A melhor forma de cuidar da saúde mental é com acolhimento, dignidade e respaldo legal. Nunca com autoritarismo, isolamento, discriminação ou abandono.♥️
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Chega de estudar Direito por agora!
Hora de surfar de novo no conto
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O comportamento do Alienista passa a ser tão absurdo, que as faíscas de uma rebelião começam a nascer entre os habitantes de Itaguaí.
Medo se sente por toda parte, pessoas tentam fugir pela noite para não serem pegas e tachadas como loucas...
É realmente um cenário nefasto, criado por um homem com demasia de poder e nada de fiscalização ou contrapeso (peças chave em uma democracia, por sinal).
As prisões de inocentes, justificadas como sendo a solução a cura de uma loucura que nem existia de fato, não cessam.
Uma das passagens mais tristes para mim é a prisão de Gil Bernardes.
Gil é descrito como uma pessoa extremamente amável, gentil, uma pessoa que exalava carisma e gentileza. E o que o Alienista viu nele de errado?
O fato que ele demorava a sair da casa das pessoas quando ia de visita ou que as pessoas demoravam a deixá-lo, quando o encontravam pelas ruas. Sério...
"Era um rapaz de trinta anos, amável, conversado, polido, tão polido que não cumprimentava alguém sem levar o chapéu ao chão... tinha a vocação das cortesias."
Quando Gil descobriu que o Alienista estava de olho nele, ele tentou a fuga durante a madrugada.
Mas como aconteceu com outras vítimas do Dr. Bacamarte, foi pego, e recolhido à prisão, digo, à Casa Verde. Após a prisão de Gil:
"– Devemos acabar com isto!
– Não pode continuar!
– Abaixo a tirania!
– Déspota! violento! Golias!
Não eram gritos na rua, eram suspiros em casa, mas não tardava a hora dos gritos. "
É nessa parte da história também que focamos em um personagem muito interessante. Trata-se do Barbeiro local, o Porfírio, a quem as atitudes violentas do Dr. Bacamarte deixavam muito bravo.
Pode falar e criticar o quanto quisermos sobre o barbeiro Porfírio (e sim, críticas adiante na história virão), mas sem dúvida ele foi o responsável por unir a população e começar a dar voz aos que gritavam apenas silenciosamente.
Com uma coragem que é altamente louvável, Porfírio começa a declamar às pessoas que o Dr. Bacamarte era uma tirano e que pelo bem público, precisava ser derrubado.
Inicialmente, umas quantas pessoas até tentaram fazer o jeito correto e, juntamente com o barbeiro Porfírio, ir até a Câmara pedir auxílio.
Como vimos anteriormente, a Câmara Municipal é a representação do Poder Legislativo e tem como função zelar pelo povo que rege. Mas nada...
"Cêrca de trinta pessoas ligaram-se ao barbeiro, redigiram e levaram uma representação à Câmara.
A Câmara recusou aceitá-la, declarando que a Casa Verde era uma instituição pública, e que a ciência não podia ser emendada por votação administrativa, menos ainda por movimentos de rua.
– Voltai ao trabalho, concluiu o presidente, é o conselho que vos damos."
Mas como assim a Câmara não pode fazer emendas? oi?? A função da Câmara é justamente criar normas, legislações, regulamentos e alterá-los quando relevante.
Por favor né... discursinho pra quem não entende de legislação. Viu como é importante sabermos os mecanismos jurídicos que nos regem? Mas enfim, voltemos à Itaguaí.
Essa atitude completamente desumana da Câmara e de seu presidente, criou então um cenário propício para que a revolta sim viesse a se tornar uma realidade.
Mas antes de mergulharmos na rebelião que chacoalha Itaguaí, vale uma pausa para refletir sobre os órgãos de fiscalização que não existiam à época, e como isso permitiu tantos abusos
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Pausa no conto!
Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no conto O Alienista:
🔶Tópico 1: Órgãos de Fiscalização
🔶Tópico 2: Órgãos de controle dos gastos públicos
🔶Tópico 3: Órgãos de controle da atuação médica
🔶Tópico 4: Órgãos de fiscalização de direitos e denúncias de abuso
🔶Tópico 5: Relevância desses tópicos com o conto
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
Órgãos de Fiscalização
⚖️No Brasil atual, o poder público não atua sozinho, sem freios ou contrapesos.
Existem diversos órgãos de controle criados justamente para fiscalizar, auditar e garantir que as ações estatais estejam dentro dos limites legais e constitucionais.
Esses órgãos atuam em áreas diferentes — como finanças públicas, conduta médica e defesa de direitos humanos — e são fundamentais para que o poder não se concentre de forma perigosa, como ocorre no conto de Machado.
Sem essas instituições, decisões autoritárias e abusos de poder poderiam passar despercebidos ou, pior, serem normalizados.
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🔶 Tópico 2: 🔶
💰Órgãos de controle dos gastos públicos
⚖️Os recursos públicos devem ser aplicados de forma transparente e responsável.
Para isso, existem instituições especializadas que fiscalizam como esse dinheiro é utilizado:
TCU (Tribunal de Contas da União) — fiscaliza os gastos do governo federal.
TCEs (Tribunais de Contas dos Estados) — fiscalizam estados e municípios.
TCMs (Tribunal de Contas do Município) — como o de São Paulo e Rio: fiscalizam os respectivos municípios.
✨📖Na época do conto, não havia nada disso. Os recursos públicos passavam direto da Câmara para a Casa Verde, sem auditoria alguma.
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🔶 Tópico 3: 🔶
🩺Órgãos de controle da atuação médica
⚖️A medicina, por lidar com vidas humanas, é uma profissão regulada com muito rigor.
No Brasil, há órgãos que cuidam para que médicos atuem dentro dos limites éticos e científicos:
CFM (Conselho Federal de Medicina) — estabelece regras éticas e técnicas.
CRMs (Conselhos Regionais de Medicina) — cada estado tem o seu. Os CRMs fiscalizam a atuação dos médicos.
✨📖Simão Bacamarte internava quem queria, como queria. Hoje, isso seria inadmissível — e punido ética e judicialmente.
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🔶 Tópico 4: 🔶
⚖️Órgãos de fiscalização de direitos e denúncias de abuso
⚖️Além de controlar gastos e práticas profissionais, o Estado moderno também criou canais específicos para proteger os direitos da população. Especialmente os mais vulneráveis.
MP (Ministério Público) —atua na defesa da ordem jurídica, dos direitos fundamentais e na fiscalização dos poderes públicos;
Ouvidorias públicas (como as da Saúde, do SUS e das Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde);
OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) — recebe denúncias sobre violações de direitos fundamentais, especialmente nos casos que envolvem garantias processuais e liberdades civis. Também atua no controle externo da atividade pública por meio de suas comissões de direitos humanos.
✨📖No século XIX, nada disso existia. A população de Itaguaí estava sem voz, sem proteção e totalmente vulnerável.
══ ⚖️ ══
🔶 Tópico 5: 🔶
Relevância desses tópicos com o livro
✨📖É justo reconhecer que a comparação entre o que se passa nas páginas do conto O Alienista e os dias atuais tem limites: a história se passa no século XIX, quando ainda vigorava a Constituição do Império (de 1824), que era um documento com estrutura rudimentar, que não previa órgãos de controle.
Na época do conto, não havia órgãos como o TCU ou os Tribunais de Contas Estaduais para fiscalizar o uso de recursos públicos — o que favorecia a ausência de controle sobre instituições financiadas pelo erário, como a Casa Verde.
Nem muito menos existia um Ministério Público independente, capaz de questionar legislações arbitrárias (como vemos no conto) ou proteger a população dos abusos de autoridades locais.
Ainda mais grave, no entanto, era a completa ausência de qualquer órgão regulador da prática médica.
Tampouco existiam, por exemplo, o Conselho Federal de Medicina (CFM) ou os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), que hoje são responsáveis por fiscalizar a conduta profissional e proteger os direitos dos pacientes.
O Alienista nos mostra o que acontece quando não há ninguém para dizer “basta”.
Hoje, mesmo com todas as falhas que ainda existem, temos instituições criadas justamente para isso: limitar o poder, proteger o cidadão e dar voz a quem antes era silenciado.
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Chega de estudar Direito por agora!
Hora de surfar de novo no conto
🌊🏄📖
Voltando ao conto, vamos ver agora a revolução popular dos habitantes de Itaguaí, liderada por Porfírio, ganhar vida.
Esse levante popular é fascinante, pois com ela podemos fazer uma reflexão sobre a diferença entre revolução, golpe de Estado e também discutir um pouco como o poder corrompe.
Além disso vamos ver também que a nossa Constituição garante o direito à Manifestação e os termos em que faz isso.
Mas antes, voltemos às ruas de Itaguaí, onde a revolta popular crescia a cada sopro.
Tínhamos visto que o barbeiro Porfírio estava realmente demonstrando uma liderança para ir contra a tirania do Dr. Bacamarte.
Ao lado de outros cidadãos de Itaguaí, Porfírio tentou levar sua demanda à Câmara Municipal, mas em vão. Como vimos, a resposta foi o silêncio e a omissão: a porta foi literalmente fechada na cara do povo.
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Pausa no conto!
Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no conto O Alienista:
🔶Tópico 1: O Direito garantido de poder peticionar
🔶Tópico 2: Relevância desse tópico com o conto
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
O Direito garantido de poder peticionar
⚖️Quando Porfírio e outros trinta cidadãos tentam se manifestar contra os abusos da Casa Verde e são barrados pela Câmara, vemos uma violação de um direito que hoje é fundamental no Brasil: o direito de petição.
Garantido pela Constituição Federal – Art. 5º, XXXIV, "a"
“São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidades ou abusos de poder.”
Ou seja, isso quer dizer que qualquer cidadão tem o direito de apresentar reclamações, denúncias ou pedidos formais ao Estado, seja em nome próprio ou coletivo.
E mais: o Estado tem o dever de receber e responder.
══ ⚖️ ══
🔶 Tópico 2: 🔶
Relevância desse tópico com o conto
✨📖Se esse direito tivesse sido respeitado em Itaguaí, talvez a revolta nem tivesse ocorrido.
Ao ignorar a petição assinada por dezenas de cidadãos, a Câmara Municipal deixou claro que não reconhecia o povo como parte legítima do processo político. Negou-lhes o direito à voz.
Essa recusa escancarada ao diálogo institucional não apenas aumentou a sensação de injustiça e impotência coletiva, como também acirrou os ânimos — empurrando os moradores à revolta.
O conto mostra, de forma literária e genial, como a ausência de escuta e de canais formais de participação pode gerar rupturas sociais profundas.
O direito de petição, portanto, não é apenas um detalhe burocrático: é uma garantia fundamental para evitar que o silêncio das instituições leve ao grito das ruas.
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🌊🏄📖
E assim, as pessoas foram às ruas derrubar a Casa Verde — genialmente descrita no conto como:
“a Bastilha da razão humana”.
Esse paralelo com a Revolução Francesa é brilhante.
Na França, em 1789, a população, tomada pela indignação, marchou até a Bastilha — símbolo do absolutismo — e deu início à Revolução Francesa.
A referência feita por Machado é excepcional, porque o Dr. Bacamarte realmente se comportava como um "Rei Sol da medicina". E estava na hora de pôr fim ao seu despotismo.
Nas ruas de Itaguaí, um evento similar (em proporções muito menores, claro) acontecia. E assim, os habitantes se dirigiram à Casa Verde para depor o doutor.
Porfírio ficou conhecido como Canjica, e esse levante popular nas ruas da cidade passou a ser chamado de a Revolta dos Canjicas.
O conto não deixa claro por que Porfírio ganhou esse apelido. Alguns dizem que era por causa dos dentes — que lembravam grãos de milho —, outros por ser um alimento associado às classes populares, de onde ele vinha.
Mas o que importa é a liderança que Porfírio, ou Canjica, alcançou. Ele foi tão central no movimento que acabou emprestando seu nome à revolta.
Seguindo adiante... os revoltosos aproximavam-se a passos decididos da Casa Verde.
“Entretanto a arruaça crescia. Já não eram trinta, mas trezentas pessoas que acompanhavam o barbeiro...”
D. Evarista, esposa do Dr. Bacamarte, estava nesse momento provando um vestido de seda, imersa no luxo da alta sociedade de Itaguaí, quando soube da rebelião que se aproximava.
É impossível não lembrar de Maria Antonieta, durante a Revolução Francesa.
O que começou com trinta pessoas foi ganhando corpo. A indignação antes sussurrada pelas janelas agora rugia pelas ruas.
A Bastilha da razão humana estava prestes a cair...
“– Morra o Dr. Bacamarte! Morra o tirano! — uivaram fora trezentas vozes. Era a rebelião que desembocava na Rua Nova.
D. Evarista ficou sem pinga de sangue: no primeiro instante não deu um passo, não fez um gesto; o terror petrificou-a.”
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Pausa no conto!
Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no conto O Alienista:
🔶Tópico 1: Manifestações no Brasil
🔶Tópico 2: Revolução ou golpe de Estado
🔶Tópico 3: Relevância desses tópicos com o conto
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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══ ⚖️ ══
🔶 Tópico 1: 🔶
Manifestações no Brasil
⚖️No Brasil, a Constituição Federal garante o direito à manifestação como um dos direitos e garantias fundamentais do povo.
Algumas condições são necessárias para que seja considerada lícita:
❌ Não pode haver anonimato (ou seja, as pessoas não podem cobrir o rosto);
❌ Não pode haver violência física contra pessoas, animais, objetos ou construções;
⚠️ As autoridades devem ser notificadas previamente, para garantir a segurança (controle de trânsito, policiamento etc.);
❌ Não pode haver duas manifestações no mesmo local, data e horário.
═══ ⚖️ ═══
🤔Reflexão
A meu ver, portanto, a manifestação de Porfírio e seus seguidores não foi completamente lícita — houve confronto direto com a guarda (os Dragões).
No fim das contas, foram onze mortos e vinte e cinco feridos.
══ ⚖️ ══
🔶 Tópico 2: 🔶
Revolução ou Golpe de Estado
⚖️No conto, o barbeiro Porfírio lidera o povo numa revolta que depõe os antigos vereadores e toma o controle da Câmara de Itaguaí.
Mas... o que foi aquilo exatamente? Uma revolução popular? Um golpe de Estado? Especialmente nos dias de hoje, onde se usam esses termos de modo às vezes errôneo, vale o esclarecimento.
Vamos entender a diferença.
Revolução: é uma mudança radical e, em geral, popular. Vem de fora das instituições. Surge do povo ou de setores marginalizados e costuma questionar todo o sistema vigente (não só as pessoas no poder, mas as próprias estruturas de poder).
Exemplos clássicos:
a Revolução Francesa (1789), onde o povo, cansado da monarquia absolutista, invadiu a Bastilha e iniciou uma transformação social e política profunda.
Ou os camaradas barbudos em 1959, tomando o poder de Batista em Cuba e instituindo Fidel Castro como novo governante/ditador
Golpe de Estado: é uma tomada de poder feita de dentro do sistema, por alguém ou algum grupo que já detém alguma força — militar, política ou institucional. O objetivo costuma ser substituir os ocupantes do poder, sem necessariamente mudar as regras do jogo.
Exemplo: o que ocorreu no nosso país em 1964, quando os Militares depuseram o Presidente Jango, aboliram o Congresso e tomaram o poder nacional por completo.
══ ⚖️ ══
🔶 Tópico 3: 🔶
Relevância desses tópicos com o conto
✨📖 Manifestações: Porfírio mobiliza o povo, sim — mas o faz com violência. Isso deslegitima parcialmente a ação sob a ótica do direito constitucional contemporâneo.
✨📖 Revolução ou Golpe? Ah, Tom, então foi uma revolução, certo? Afinal, Porfírio não fazia parte da estrutura de poder...
Quase.
Porque... o que muda com a sua ascensão ao poder? Nada.
Canjica (Porfírio) assume o cargo — mas a lógica continua a mesma:
👎
Não há controle institucional sobre a Casa Verde;
O médico continua sendo autoridade suprema;
E o povo volta à passividade.
O que vemos, portanto, é uma falsa revolução — uma troca de peças no tabuleiro, mas o jogo continua igual.
Machado parece nos dizer: não basta derrubar os poderosos — é preciso mudar as estruturas. Caso contrário, como diz a velha máxima, tudo muda para que tudo continue como está.
O canjica não muda nadica.
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🌊🏄📖
Meio que dei um spoiler, né? Basicamente, após um diálogo entre Porfírio e o Dr. Bacamarte, a revolução se acalma, e o Canjica retorna à Câmara.
Lá, ele depõe o presidente e promete mil mudanças — todas voltadas ao bem-estar da população de Itaguaí. Mas... como tantas vezes acontece na política, ele se encanta com o próprio poder.
Essa parte do conto é triste. As esperanças de mudança depositadas por Itaguaí em Porfírio se diluem rapidamente.
Empossado como novo presidente da Câmara, Porfírio visita o Alienista — e é nesse momento que vemos, pela primeira vez, o Dr. Bacamarte com medo.
O médico imagina que será finalmente responsabilizado pelos seus abusos, que será preso, que a Casa Verde será destruída.
Mas... acontece o contrário.
Veja esse trecho da conversa entre o Dr. Bacamarte e Porfirio:
“A generosa revolução que ontem derrubou uma Câmara vilipendiada e corrupta pediu em altos brados o arrasamento da Casa Verde; mas pode entrar no ânimo do governo eliminar a loucura? Não. E se o governo não a pode eliminar, está ao menos apto para discriminá-la, reconhecê-la? Também não; é matéria de ciência. Logo, em assunto tão melindroso, o governo não pode, não quer dispensar o concurso de Vossa Senhoria.”
Ou seja: Porfírio não só não confronta o Alienista — como o fortalece.
Simão Bacamarte segue com carta branca para suas internações e experimentos.
Pior: em apenas cinco dias, ele interna novos apoiadores do recém-empossado governo.
É nesse momento que Porfírio, o Canjica revolucionário, começa a engolir seco (ooops, ele pensa).
Afinal, foi com o grito de “morte ao tirano!” que ele chegou ao poder.
E o que fez logo em seguida? Deixou o tirano continuar operando.
A Casa Verde, que deveria cair como símbolo de opressão, permanece — agora com ainda mais autonomia.
O poder de Bacamarte, longe de diminuir, cresce.
O Canjica deu a ele ainda mais poder.
Aos poucos, o próprio Porfírio percebe o erro e quando vê colegas sendo internados, sente que pode ser o próximo.
Então, em desespero, expede dois decretos:
Encerrando as atividades da Casa Verde;
Desterrando o Dr. Bacamarte de Itaguaí.
Mas já era tarde.
Enquanto fortalecia o Alienista, Porfírio enfraquecia a si mesmo.
Sua liderança se torna, digamos... um fiasco.
Breves dias no poder, marcados por recuos, inseguranças e ausência de reformas reais.
E sim, para os curiosos: Porfírio é internado, com mais de cinquenta indivíduos a quem o Alienista considerou "mentecaptos".
A coisa ainda vai piorar. Oh yes.
Mas, antes disso, uma pausa nas internações desenfreadas: é chegada a hora de uma intervenção política de alto escalão.
“Nisto entrou na vila uma fôrça mandada pelo vice-rei e restabeleceu a ordem.”
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Pausa no conto!
Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no conto O Alienista:
🔶Tópico 1: Intervenção de Entes da Federação
🔶Tópico 2: Relevância desse tópico com o conto
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
Intervenção de entes da Federação
⚖️No Brasil atual, os diferentes níveis de governo — federal, estadual, municipal e o Distrito Federal — são chamados de entes federativos.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, esses entes são autônomos entre si. Um não pode interferir no outro, salvo em casos excepcionais e previstos em lei, como:
📛Estado de defesa — em caso de grave e iminente instabilidade institucional (como pandemias, calamidades públicas, etc.);
⚔️Estado de sítio — quando há guerra;
⚖️Intervenção federal — autorizada por ordem judicial ou para garantir a ordem pública, o cumprimento das leis ou dos princípios constitucionais sensíveis.
💡Eu explico um pouco mais a fundo esses Estados de Exceção na releitura que fiz sobre o livro A Peste, de Albert Camus: 👉Leia aqui.
Voltando... Ou seja, a União não pode simplesmente intervir em um município ou em um estado — é necessário haver uma justificativa legal clara e a situação deve ser grave e emergencial.
O mesmo vale para os estados: não podem intervir em seus municípios arbitrariamente. Os entes federativos são independentes e harmônicos entre si.
Importante também lembrar que não há hierarquia entre os entes federativos. Ou seja, a União não é "mais importante" do que um pequeno município: todos têm autonomia garantida pela Constituição e exercem funções distintas, mas igualmente legítimas.
Hoje, a autonomia dos municípios permite que cada cidade defina parte de suas políticas públicas, como saúde, educação e orçamento.
Essa descentralização é um avanço democrático, pois aproxima o poder das necessidades reais da população local — algo completamente ausente no cenário retratado por Machado de Assis.
Essa lógica de separação e autonomia entre esferas do poder começou a se consolidar na Europa após a Revolução Francesa, especialmente com o Código Napoleônico (1804), que inspirou diversos modelos constitucionais no Ocidente — inclusive o brasileiro.
✨📖 Mas na época do conto, tudo era diferente.
O Alienista se passa no século XIX, durante o Império do Brasil, sob a Constituição de 1824.
Naquele período:
Não havia separação rígida entre os entes federativos;
Os municípios não tinham autonomia como hoje;
E o Vice-rei, representante direto do poder imperial, podia intervir diretamente nos municípios — sem necessidade de justificativa jurídica ou constitucional.
Por isso, quando uma força é enviada pelo Vice-rei para "restabelecer a ordem" em Itaguaí, essa intervenção não fere nenhuma norma da época — embora, sob a ótica constitucional contemporânea, soasse como um autoritarismo inaceitável.
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🔶 Tópico 2: 🔶
Relevância desse tópico com o conto
✨📖 A chegada da tropa enviada pelo Vice-Rei marca o retorno do controle direto da Coroa sobre Itaguaí.
Se isso acontecesse hoje, seria considerado um grave atentado à autonomia municipal, com fortes implicações legais e constitucionais.
Mas no contexto do conto, a intervenção se dá sem qualquer questionamento institucional, justamente porque os municípios não tinham voz própria.
Esse momento nos leva a refletir sobre o quanto evoluímos em termos de organização política — e como a autonomia dos entes federativos é, hoje, uma garantia democrática essencial.
Se na Itaguaí de Machado um médico podia agir como déspota e o poder central intervinha sem limites, é porque faltavam freios, separações e garantias constitucionais claras.
E isso nos faz valorizar o que temos hoje — mesmo sabendo que ainda há muito o que proteger.
Hoje, só em casos realmente extremos um ente pode intervir no outro — e isso precisa obedecer a critérios legais rigorosos, sempre sob controle do Judiciário ou do Congresso Nacional.
Essa parte (e outras claro) do conto nos mostra o quanto evoluímos juridicamente desde então.
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Hora de surfar de novo no conto
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Voltando às detenções desenfreadas do Alienista...
Chegamos ao ápice do delírio institucionalizado.
O auge da insanidade da Casa Verde acontece quando o Dr. Bacamarte decide internar ninguém menos que sua própria esposa, D. Evarista.
E por quê?
Porque ela demorou demais escolhendo um colar para o baile. Sim. É isso mesmo. Essa era, aos olhos do Alienista, uma prova irrefutável de desequilíbrio mental.
Agora pense: se ele foi capaz de prender sua esposa, com quem vivia, que o conhecia e o apoiava... o que mais esse homem não poderia fazer?
A partir desse ponto, o conto adentra ainda mais no sombrio.
PASMEM!🤯
Dr. Bacamarte resolve inverter toda a lógica da sua teoria: conclui que, na verdade, os verdadeiros desequilibrados são os que vivem em harmonia — os "normais".
E que os chamados loucos, que expressam emoções, conflitos, vontades e contradições, são justamente os mais humanos.
É confuso mesmo. Vou tentar explicar melhor:
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═══ ⚖️ ═══
Com isso, ele solta todos os que havia internado antes — aqueles tidos como "loucos" — e inicia uma nova onda de internações.
Agora, os alvos são os mais virtuosos, os mais éticos, os mais equilibrados da cidade.
Porque, segundo o doutor, esse equilíbrio excessivo só podia ser sintoma de anormalidade...
Essa guinada teórica repentina do Dr. Bacamarte mostra o perigo de quando o saber, mesmo o científico, é utilizado de forma autoritária, sem limites, sem controle, sem responsabilidade coletiva.
Para não ficarmos à mercê de figuras que usam o poder para impor suas ideias como verdades absolutas — e que depois, sem aviso algum, mudam completamente de rumo, afetando a vida de todos — é que existem as tão importantes LEIS.
Elas não servem apenas para punir, mas para proteger a sociedade da instabilidade, da arbitrariedade e dos abusos de poder.
Vamos ver, então, como o nosso Código Civil de 2002 trata dessas questões.
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Pausa no conto!
Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no conto O Alienista:
🔶Tópico 1: Como o Código Civil enxerga capacidade e incapacidade dos indivíduos
🔶Tópico 2: Como era antes da Lei da Reforma Psiquiátrica
🔶Tópico 3: Além da legislação brasileira
🔶Tópico 4: Relevância desses tópicos com o conto
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
Como o Código Civil enxerga capacidade e incapacidade dos indivíduos
Menciono aqui o Direito Civil porque ele influencia muito nos direitos e obrigações que afetam diretamente o dia a dia dos cidadãos.
Quase todos os nossos atos diários são regidos, controlados ou descritos no Código Civil de 2002: do café que compramos na esquina às nossas relações como inquilinos, familiares, prestadores de serviço, e por aí vai...
⚖️De acordo com o Código Civil brasileiro, todas as pessoas são, em regra, presumidamente capazes de exercer seus direitos civis.
No entanto, há exceções definidas em lei, especialmente nos casos de menores de idade e de pessoas com certas condições de saúde mental.
A classificação atual é a seguinte:
🔴Absolutamente incapazes: menores de 16 anos (art. 3º, I do Código Civil);
Pessoas que, por enfermidade ou deficiência mental grave, sejam inteiramente incapazes de exprimir sua vontade — desde que essa condição seja reconhecida judicialmente, com base em laudo médico.
🟡Relativamente incapazes: maiores de 16 e menores de 18 anos;
Pessoas com deficiência mental moderada, dependência química severa, ou outras condições que prejudiquem parcialmente o discernimento — também exigem decisão judicial fundamentada.
🟢Capazes: todos os maiores de 18 anos que não se enquadrem nas situações acima, com plena aptidão para realizar atos da vida civil.
⚠️Importante ressaltar: o status de “incapacidade” não pode ser presumido nem decidido informalmente (por um Simão Bacamarte da vida aí).
Só um juiz, com base em laudos técnicos e respeitando o devido processo legal, pode declarar alguém incapaz.
❤️Todos os indivíduos — capazes, relativamente incapazes ou absolutamente incapazes — têm seus direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988.
Isso inclui o direito à dignidade, à integridade física e mental, à liberdade, à não discriminação e ao tratamento respeitoso por parte da sociedade e do Estado.
══ ⚖️ ══
🔶 Tópico 2: 🔶
Como era antes da Lei da Reforma Psiquiátrica
⚖️Mesmo com o Código Civil determinando que todas as pessoas — desde que não se enquadrem nas exceções legais — são, em regra, consideradas capazes, isso nem sempre foi respeitado na prática, especialmente no campo da saúde mental.
Até que a Lei da Reforma Psiquiátrica viesse a vigorar (Lei 10.216/2001), essas garantias muitas vezes eram ignoradas.
Internações compulsórias, isolamento prolongado, maus-tratos e abandono eram realidades frequentes nos antigos manicômios — práticas que feriam diretamente os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da legalidade.
Mas hoje, felizmente, a situação é outra.
Além do Código Civil, temos o respaldo de órgãos e instituições que atuam na proteção dos direitos das pessoas com sofrimento psíquico:
Conselhos de Medicina (CFM e CRMs);
Ministério Público;
Defensorias Públicas;
Essas instâncias garantem que o julgamento sobre a capacidade mental das pessoas não seja feito de forma subjetiva ou autoritária — como no caso do conto, em que tudo dependia do humor e da vontade do Dr. Bacamarte.
Hoje, qualquer decisão nesse sentido exige critérios técnicos, laudos, participação de diferentes profissionais e decisão judicial fundamentada.
Esse tipo de legislação é fundamental para que ninguém fique à mercê de abusadores de poder, que tratam suas próprias opiniões como verdades absolutas.
══ ⚖️ ══
🔶 Tópico 3: 🔶
Além da legislação brasileira
🌍
⚖️A legislação brasileira está alinhada a importantes tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Entre eles, destacam-se:
Esses documentos internacionais reforçam princípios que também estão presentes na nossa Constituição e nas leis nacionais:
Que ninguém pode ser privado de liberdade por motivo de deficiência, sem que haja garantias mínimas de defesa e de processo justo;
Que todo tratamento de saúde mental deve ser baseado em consentimento informado, com foco em respeito, acolhimento e dignidade da pessoa.
Esses tratados têm força normativa no Brasil e ajudam a garantir que os direitos das pessoas com sofrimento psíquico sejam reconhecidos não só como questão médica, mas como questão de direitos humanos.
══ ⚖️ ══
🔶 Tópico 4: 🔶
Relevância desses tópicos com o conto
✨📖 O Alienista nos mostra que, por trás de discursos racionais e boas intenções, podem esconder-se as maiores arbitrariedades.
O conto não é apenas uma crítica à medicina da época, mas uma reflexão atemporal sobre o perigo de se concentrar poder absoluto nas mãos de uma só pessoa — sobretudo quando essa pessoa se julga dona da verdade.
⚖️Por isso, as leis, as garantias constitucionais, os órgãos fiscalizadores e o controle democrático não são meras formalidades burocráticas: são mecanismos fundamentais para impedir que a arbitrariedade se vista de ciência, que o autoritarismo se disfarce de razão, e que a violência se imponha sob o pretexto do cuidado.
Hoje, temos o Código Civil de 2002, a Constituição Federal, o Ministério Público, os Conselhos de Medicina, as Defensorias, os tratados internacionais e tantos outros pilares jurídicos e institucionais que reconhecem a dignidade como princípio central da convivência humana — e que impõem limites a qualquer poder que pretenda se sobrepor a isso.
Machado de Assis, com sua fina ironia, nos mostra o que pode acontecer quando esses limites não existem: vidas são destruídas, direitos são esquecidos e a loucura deixa de ser uma condição humana para se tornar uma ferramenta de opressão.
Ao relermos o conto sob a lente do Direito contemporâneo, percebemos que O Alienista não está apenas no passado: ele ecoa no presente.
É fundamental conhecermos nossos direitos e a quem recorrer (legal e juridicamente) caso esses direitos sejam violados.
🛑Claro que nossas instituições estão longe de ser perfeitas — veja o caso de Maria da Penha, que precisou recorrer a instâncias internacionais (como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA) para ser ouvida e levada a sério.
E é justamente por isso que seguir aprimorando nossas leis, reforçando nossas instituições e educando para a consciência crítica é o que nos afasta — cada vez mais — da Itaguaí de Simão Bacamarte.
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🌊🏄📖
O que ocorreu então foi que o Alienista percebeu que sua teoria estava totalmente equivocada, ao notar que tinha trancado dentro da Casa Verde aproximadamente 80% da população de Itaguaí.
Sim, 4/5 da vila estava dentro dos muros da Casa Verde.
🤯
E assim, ele decide que vai soltar todos os "loucos" — ou assim denominados por ele — e mandar deter os que eram normais e equilibrados.
A Câmara, mais uma vez, vem mostrar uma falta de ética incrível. Ela, novamente, autoriza o Alienista a prosseguir com seus experimentos.
Dessa vez, porém: "agasalhar" na Casa Verde as pessoas cujas faculdades mentais estivessem perfeitas — e não mais os ditos loucos.
Os vereadores, porém, ressaltaram que uma cláusula adicional era necessária à nova legislação: nenhum membro da Câmara poderia ser internado.
Sim: os representantes de Itaguaí agora tinham imunidade e impunidade psiquiátrica. Estavam protegidos das garras médicas do Dr. Bacamarte.
Um acordo silencioso para proteger seus próprios cargos e a si mesmos, covardes impunes — mesmo diante de um cenário cada vez mais absurdo.
Estavam, assim, blindados juridicamente contra o próprio sistema que alimentavam.
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no conto O Alienista:
🔶Tópico 1: Foro Privilegiado
🔶Tópico 2: Imunidade Parlamentar
🔶Tópico 3: Relevância desses tópicos com o conto
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══ ⚖️ ══
🔶 Tópico 1: 🔶
⚖️O foro privilegiado — ou foro por prerrogativa de função — é uma regra prevista na Constituição Federal de 1988 que determina que certas autoridades sejam julgadas por tribunais superiores, como o STF ou o STJ, em vez de juízes de primeira instância.
O objetivo inicial dessa regra era proteger o cargo e garantir que autoridades pudessem exercer suas funções sem perseguições políticas, mas o que ocorre, muitas vezes, é o oposto: um desvio dessa prerrogativa como forma de obter tratamento especial.
Na prática, o foro privilegiado já foi apontado como uma das causas da impunidade de políticos e autoridades, seja pela lentidão nos julgamentos, seja pelo número limitado de processos efetivamente analisados pelos tribunais superiores.
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🔶 Tópico 2: 🔶
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🔶 Tópico 3: 🔶
✨📖 No conto O Alienista, o que vemos não é exatamente foro os vereadores de Itaguaí usufruindo de foro privilegiado ou imunidade parlamentar nos moldes constitucionais atuais.
Mas o que sim vemos é um privilégio jurídico (tendo sido uma cláusula adicionada ao contrato com o Dr. Bacamarte) concedido aos membros da Câmara Municipal de Itaguaí.
Quando o Dr. Bacamarte decide mudar sua teoria e passa a internar os 'demasiadamente normais', os vereadores permitem que ele continue — desde que eles próprios estejam isentos da nova onda de internações.
Esse pacto silencioso é uma representação ficcional (e crítica) do uso político do poder, onde autoridades se blindam contra as mesmas regras que impõem ao povo.
A Constituição de 1988 é clara ao afirmar que 'todos são iguais perante a lei' (art. 5º), princípio que deveria impedir tratamentos diferenciados como o visto no conto.
Somos todos iguais perante a lei mesmo?
Por isso, vale a reflexão: o quanto ainda naturalizamos privilégios institucionais que contradizem esse princípio?
Deveríamos dar foro privilegiado ou imunidade aos nossos parlamentares?
I think not.
Mas... assim é. Por enquanto?
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🌊🏄📖
Todos os políticos da Câmara aplaudiram e aprovaram, sem demora, a cláusula que os isentava de possíveis internações feitas pelo Dr. Bacamarte.
Todos, com exceção de um único vereador: Galvão.
Galvão protestou com firmeza, afirmando que a cláusula era “odiosa e ridícula”.
Para ele, esse tipo de exceção, que tratava os vereadores de forma diferente do restante da população, era inaceitável:
“A vereança, concluiu êle, não nos dá nenhum poder especial nem nos elimina do espírito humano.”
E aqui vem um dos momentos mais brilhantes — e mais sombrios — da ironia machadiana.
Para o Dr. Bacamarte, a nova cláusula era realmente tão absurda, tão claramente insana, que só alguém mentalmente desequilibrado seria capaz de aprová-la.
E como todos aprovaram (exceto Galvão), ele concluiu que os vereadores estavam, na verdade, loucos.
Logo, pela nova lógica do Alienista: todos os que aprovaram a cláusula estavam claramente loucos — o que, paradoxalmente, os tornava normais. E, sendo ‘normais’, não precisavam ser internados.
Já Galvão, que se mostrou são demais — com sua postura ética, racional e coerente — era, obviamente...
um caso gravíssimo de sanidade.
Ou seja: louco.
Foi ele o único a ser “agasalhado” na Casa Verde.
Vamos recapitular esse momento em que o mundo virou do avesso nas mãos do Dr. Bacamarte:
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═══ ⚖️ ═══
⚖️Os representantes de Itaguaí, então, estavam juridicamente blindados. Criaram para si uma imunidade psiquiátrica, uma cláusula de autoproteção política — e só quem ousou recusar esse pacto de impunidade foi considerado louco.
E Bacamarte não parou por aí.
Ele passou a recolher para a Casa Verde todos os que demonstravam equilíbrio emocional e moral. Os leais, os modestos, os sagazes, os honestos, os sinceros...
Ou seja: quanto mais íntegra a pessoa, mais suspeita se tornava.
“Cada beleza moral ou mental era atacada no ponto em que a perfeição parecia mais sólida.”
O "tratamento" era simples: os internados eram mantidos ali até que sua retidão fosse corrompida.
O honesto virava corrupto = curado
O gentil virava bravo = curado
O generoso tornava-se avaro = curado...
Quando isso acontecia — quando o paciente demonstrava, por fim, alguma falha, contradição ou desvio ético — o Alienista considerava-o “curado” da normalidade.
Por exemplo: Galvão, que havia se mostrado exemplar como vereador, ao tentar subornar um juiz para sair da Casa Verde, foi declarado curado.
Alta concedida.
A jornada do vereador Galvão sob a nova lógica do Dr. Bacamarte:
[Honesto demais]
↓
(normal e são. Portanto "claramente insano")
↓
[Internado na Casa Verde]
↓
(Tenta subornar um juiz)
↓
[Corrupto. Não mais normal ou são. Perde a integridade moral]
↓
("Parabéns! Agora está curado.")
↓
[Liberado]
E assim foi com todos os demais: após cinco meses de “cura”, a Casa Verde se esvaziou completamente.
Nenhum paciente mais vagava por seus corredores, nem olhava pelas janelas de moldura verde para o mundo lá fora.
E foi nesse cenário — os corredores vazios, a casa silenciosa, a cidade enfim “curada” — que o Dr. Simão Bacamarte teve uma nova ideia…
Sim. Outra ideia desse "médico"... afe.
Mas calma lá... Não vou contar o final, né? Já dei spoiler até demais...
⚖️Tópicos jurídicos abordados na releitura do conto O Alienista:
Estado de calamidade pública e restrições aos direitos individuais;
Isolamento compulsório e liberdade de locomoção;
O papel (e a omissão) do poder público;
Direitos fundamentais em perigo;
Comparações entre sistemas de proteção jurídica e garantias constitucionais (como cláusulas pétreas e o direito à dignidade);
Controle excessivo e autoritário por parte de um indivíduo;
Falta de proteção estatal;
Capacidade civil e saúde mental:
Conceito de capacidade e incapacidade segundo o Código Civil brasileiro;
Diferença entre absolutamente e relativamente incapazes;
A importância do devido processo legal para declaração de incapacidade;
Crítica à medicalização autoritária da diferença;
Histórico de abusos psiquiátricos:
Internações compulsórias e violação de direitos humanos;
Referência ao Hospital Colônia de Barbacena como exemplo real de abuso institucional;
O poder médico como agente de controle social;
Garantias constitucionais e proteção legal:
Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88);
Igualdade perante a lei (art. 5º, caput);
Liberdade, integridade e não discriminação como direitos fundamentais;
Importância das leis para proteger contra arbitrariedades — inclusive as cometidas em nome da ciência;
Reforma Psiquiátrica brasileira:
Lei 10.216/2001 — marco legal para proteção de pessoas com transtornos mentais;
Fim dos manicômios e valorização do cuidado em liberdade;
Instituições e órgãos de fiscalização:
SUS, Ministério da Saúde, Ministério Público, Defensorias Públicas;
Conselhos de Medicina (CRM/CFM);
Controle social e participação popular nas políticas públicas de saúde mental;
Tratados e convenções internacionais:
Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006);
Declaração Universal dos Direitos Humanos;
Princípios do consentimento informado e do tratamento digno;
Abuso de poder e crítica institucional:
Uso do saber médico para fins de controle social;
Crítica à falta de limites institucionais para figuras de autoridade;
Perigo da concentração de poder em uma única figura sem fiscalização;
Privilégios políticos:
Imunidade parlamentar e foro privilegiado (analisados criticamente);
Criação de cláusula de autoproteção pela Câmara de Itaguaí;
Crítica à exceção legal que favorece autoridades;
Ética, coerência e corrupção:
Inversão moral na Casa Verde: os virtuosos são internados até se corromperem;
Galvão como símbolo ético — preso por ser coerente demais;
O “curado” como aquele que abandona sua integridade;
🥵😮💨
Chega de Direito.
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Agora vão ler O Alienista porque é incrível!
The end
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