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🔶 Tópico 1: 🔶
Poligamia no Brasil
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A pergunta feita pelo senhor Reed no filme Herege — sobre a poligamia — não foi só provocativa. Foi também um teste. Um espelho. Um convite ao desconforto.
Mas também nos abre uma importante reflexão jurídica e cultural: quais os limites legais, éticos e religiosos do casamento em diferentes sociedades?
⚖️Brasil: monogamia como regra legal:
O modelo jurídico brasileiro é fundado na monogamia. Mas, para entender melhor, é essencial distinguir três conceitos que costumam se confundir:
➡️Bigamia – Ato de contrair um novo casamento civil enquanto ainda está legalmente casado com outra pessoa.
🔹É crime previsto no art. 235 do Código Penal, com pena de 2 a 6 anos de reclusão.
Bigamia
Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
§ 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos.
§ 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.
➡️Poligamia – Quando alguém mantém vários relacionamentos afetivos simultâneos, com ou sem vínculo religioso.
🔹Não é crime, mas não é reconhecida pelo Direito brasileiro. Relações poligâmicas não geram efeitos legais no Direito de Família, Previdenciário ou Sucessório.
➡️Relações poliafetivas – Uniões consensuais envolvendo mais de duas pessoas, sem casamento formal.
🔹Ainda que existam na prática, não são consideradas entidades familiares segundo a Constituição ou o Código Civil.
📌Jurisprudência relevante:
📎STF – Tema 526 (RE 1045273)
Resumo: “A Constituição reconhece como entidade familiar apenas as relações baseadas na monogamia.”
➡️Ou seja: o ordenamento jurídico não admite relações paralelas, mesmo que haja afeto, convivência e consentimento entre os envolvidos.
E se for uma amante?
Manter uma relação extraconjugal duradoura — ou mesmo uma “família paralela” — também não é crime.
Mas essa relação não tem valor jurídico.
📌O STF e o STJ entendem que relações simultâneas ao casamento ou união estável não podem gerar uma segunda união com efeitos legais.
🧾Exemplo prático:
Se uma pessoa casada mantém um relacionamento paralelo por 10 anos, essa outra pessoa não tem direito a pensão, herança ou divisão de bens.
Resumo:
❌Não é crime ter amante ou relação extraconjugal — o adultério foi descriminalizado em 2005.
🚫Também não gera nenhum reconhecimento civil (união estável, pensão, herança, etc.).
⚠️A única forma de reparação na Justiça é através de ação por danos morais, mas esses casos são raros e de difícil provimento.
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🔶 Tópico 2: 🔶
Poligamia nos EUA (Utah)
Estados Unidos: mosaico de leis estaduais
Nos EUA, o casamento também é, em regra, monogâmico — mas as leis variam entre os 50 estados. A bigamia é ilegal em todos eles.
No entanto, Utah é um caso especial.
Utah e o mormonismo:
O estado de Utah foi fundado por membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (mórmons), cuja doutrina original autorizava a poligamia como prática religiosa.
Joseph Smith, fundador da igreja, afirmava ter recebido uma revelação divina nesse sentido.
⚠️Essa prática foi banida oficialmente em 1890, quando a Igreja Mórmon, sob pressão do governo, precisou abandoná-la para que Utah fosse reconhecido como estado dos EUA.
Ainda assim, grupos dissidentes — muitas vezes fundamentalistas — continuam praticando a poligamia, especialmente em regiões isoladas de Utah, como retratado em séries como Big Love.
⚖️E o que diz a lei de Utah hoje?
Em 2020, o estado despenalizou parcialmente a poligamia, reduzindo sua punição a uma infração leve (semelhante a uma multa de trânsito) — desde que não haja coerção, violência, abuso ou casamentos forçados.
➡️A prática continua ilegal, mas o movimento reflete uma descriminalização prática, baseada no respeito à liberdade religiosa e à vida privada.
E o que tudo isso nos diz?
O filme Herege nos lembra que o discurso religioso, quando instrumentalizado, pode se tornar um mecanismo de poder e controle — inclusive sobre o corpo e os afetos do outro.
A pergunta feita por Reed não era só sobre poligamia.
Era sobre fé, submissão e limites.
"...E desconfio que ele bolou um plano de usar a revelação para fazer sexo sem consequências depois dessa indiscrição e outras. "
✨Per Fabulas, Veritas (Na ficção, a verdade):
A poligamia pode ser um tema jurídico...
Mas também é um tema de autonomia, desejo, dogmas e silêncios.
Cabe ao Direito — e também à sociedade — refletir sobre os limites entre fé e liberdade, entre consentimento e opressão.
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🔶 Tópico 3: 🔶
Direito Laico X Direito Teocrático
Quando falamos sobre poligamia ao redor do mundo, é essencial entender como diferentes países organizam seus sistemas jurídicos — e o quanto a religião interfere (ou não) na criação das leis.
📜 Direito laico:
Sistema adotado por países como Brasil, EUA, Canadá, França, Alemanha, Argentina, entre outros.
Há uma separação entre religião e Estado: o sistema jurídico é independente dos textos religiosos. A peça-chave aqui é a separação entre religiao e Estado.
A religião pode influenciar costumes e valores sociais, mas não dita as regras jurídicas.
O casamento é entendido como um contrato civil, regulado pelo Estado e sujeito a regras constitucionais e legais.
🧩Obs.: No sistema laico, pode haver diferentes formas de organização jurídica (como Direito Civil ou Common Law), mas isso será tema para uma próxima releitura.
🕌Direito teocrático:
Presente em países onde a religião é a base do sistema jurídico, como Arábia Saudita e Irã.
A legislação é baseada em textos sagrados (como o Alcorão) ou interpretações religiosas. Ou seja, diferente do Direito Laico, aqui a religião e o Estado são completamente mesclados.
Nesses casos, práticas como a poligamia masculina são legalmente aceitas, pois têm respaldo nos preceitos religiosos.
A separação entre fé e Estado não existe — o que gera tensões entre liberdade religiosa e direitos humanos universais, principalmente no que diz respeito a mulheres e minorias.
⚖️E o caso peculiar de Utah?
Utah é um estado norte-americano que segue o sistema de common law, típico dos EUA, Inglaterra e países anglófonos — onde as leis se formam também por precedentes judiciais (decisões anteriores dos tribunais).
Não é um sistema teocrático.
O casamento monogâmico é a regra legal em todo os EUA.
No entanto, Utah tem forte influência cultural e histórica da religião Mórmon, que no passado defendia a poligamia como prática divina.
Por isso, em 2020, Utah aprovou uma mudança polêmica:
A prática da poligamia deixou de ser crime grave (felony) e passou a ser uma infração menor (com pena equivalente a multa de trânsito) — desde que não envolva violência, abuso ou coerção.
Ou seja: o Estado continua oficialmente monogâmico, mas a legislação se flexibilizou por reconhecer que, na prática, comunidades poligâmicas ainda existem e operam à margem da lei há décadas.
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🔶 Tópico 4: 🔶
Poligamia em outros países de Direito Teocrático
Fora do Ocidente, em países como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Sudão, a poligamia é prevista em lei e regulamentada com base em interpretações do direito islâmico (sharia).
Nesses casos, um homem pode se casar com até quatro esposas, desde que consiga prover de forma justa e igualitária — algo que, inclusive, tem sido alvo de debates e críticas dentro dos próprios países, especialmente por parte de movimentos feministas muçulmanos.
Por outro lado, países como a Tunísia, também de maioria muçulmana, proibiram a poligamia, mostrando que a interpretação da fé não é única, e que há caminhos jurídicos diversos mesmo dentro de uma mesma tradição religiosa.
Recomendo também a leitura desta reportagem da BBC News:
Afeganistão: o que é a Sharia, lei islâmica que o Talebã quer aplicar no país?
♥️📚✨ E por falar em fé, direitos e coragem...
E não podemos falar do Direito Teocrático e sua imposição violenta na vida das pessoas (especialmente mulheres) sem mencionar a triste e heroica trajetória de Malala Yousafzai — que sobreviveu a um atentado do Talibã por ousar defender o direito das meninas à educação no Paquistão.
Ela nos lembra que nem toda obediência é virtude, e que resistir, às vezes, é o único caminho ético possível.
Sua luta também nasce em um contexto de influência do direito religioso sobre o civil — e por isso, será tema da próxima releitura jurídica do Artigo Infinito.
“Um livro, uma caneta, uma criança e um professor podem mudar o mundo.”
— Malala Yousafzai