📚Livro: Ensaio sobre a cegueira
✍️Autor: José Saramago
📆Ano de publicação: 1995
✨Sinopse: uma epidemia súbita de “cegueira branca” surge sem aviso, espalhando-se pela cidade.
Tomado pelo pânico e despreparo para atuar diante dessa crise, o governo confina às pressas os primeiros infectados em um antigo manicômio abandonado.
As autoridades fazem isso sem planejamento, estrutura ou qualquer garantia mínima de direitos.
Lá dentro, a escassez de comida, a ausência de cuidados médicos e o abandono estatal transformam o confinamento em um território de degradação física e moral.
Entre todos os cegos, apenas a mulher de um médico mantém a visão, e carrega o peso insuportável de testemunhar o colapso coletivo e a escalada de horrores.
Com um jeito maravilhoso de escrever, Saramago mostra que, quando o medo impera e o Estado se omite, a convivência humana desaba: vale a lei do mais forte, e a brutalidade e a crueldade deixam de ser exceção para virarem regra.
🌎Local da história: uma cidade não identificada, em um país fictício.
O triste aqui é que a mensagem que Saramago transmite transcende fronteiras e serve de alerta universal: sem leis e sem controle, a brutalidade humana não se esconde, não importa onde seja.
Pelo contrário, ela floresce e floresce rápido. Ô espécie cruel, a nossa…
Per Fabulas, Veritas
(na ficção, a verdade)...
...então é hora de encarar as cruéis nuvens brancas da cegueira humana
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Esta releitura jurídica foi realizada a partir da obra Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, originalmente publicada em 1995 pela Editorial Caminho S.A., Lisboa.
A edição que eu li pertence à Companhia das Letras (São Paulo, 2001), com capa de Hélio de Almeida sobre relevo de Arthur Luiz Piza. ISBN: 85-7164-495-0. Uma importante observação: por desejo do autor, foi mantida a ortografia vigente em Portugal. Ou seja, há palavras que vão parecer que estão escritas incorretamente, sendo que apenas estão com a ortografia de Portugal.
Antes de começarmos, alguns avisos importantes:
As ilustrações que acompanham esta releitura jurídica foram concebidas com o auxílio de inteligência artificial, por meio das ferramentas Mídia Mágica do Canva (Magic Media), Gemini e ChatGPT. Cada imagem nasceu de prompts originais e de uma curadoria visual minuciosa, desenvolvidos especialmente para dialogar com o conteúdo literário e potencializar sua expressividade. O design visual, porém, é inteiramente fruto do meu traço e da minha criação.
Tudo o que você vai ler aqui nasceu das minhas reflexões pessoais como estudante de Direito e amante da literatura;
Como abordo e menciono a obra, vou dar spoilers, não tem jeito. Mas não vou contar o final e sempre recomendo muito a leitura da obra;
Meu lema é Per fabulas, veritas — ou seja: na ficção, a verdade. Acredito que essas obras maravilhosas nos permitem pensar o mundo de forma mais sóbria, mais crítica, e talvez até mais justa;
Portanto, atenção: nada aqui se trata de orientação jurídica. Até porque — ainda não sou advogado. São apenas ideias, pensamentos e aprendizados que surgem das leituras desses livros tão magníficos e das aulas que tenho na universidade.
⚠️Se você estiver passando por uma situação que envolva questões legais, o correto é procurar a orientação de um(a) advogado(a) devidamente inscrito(a) na OAB — a Ordem dos Advogados do Brasil.
Vamos lá...
🌊🏄📖
Bora surfar no livro
"Ensaio sobre a cegueira"
Este livro é incrível. Meio que assim de simples.
Aliás, todas as obras de José Saramago são fascinantes. Ele tem um poder de escrita realmente único, com um estilo muito particular que vale a pena ser mencionado: os seus parágrafos são quase inexistentes, ou seja, ele escreve em uma "batelada só".
Além disso, a pontuação é feita de um jeito bem característico, onde os diálogos dos diferentes personagens e a escrita narrativa se misturam em uma bagunça absolutamente maravilhosa.
No entanto, ao contrário do que poderia parecer, suas páginas repletas de palavras (ele gostava de escrever!) ajudam a leitura a ser ainda mais fluida.
À primeira vista, talvez suas páginas com quase nenhum parágrafo e sem espaços em branco, assustem um pouco, fazendo o texto parecer excessivamente denso. Mas nada poderia ser menos verdade: a escrita de Saramago é deliciosamente fácil e rápida.
Eu realmente amo os seus livros. Acho que li todos que ele escreveu, ou pelo menos os principais, com certeza.
Lembro também que tive a honra de assistir a uma palestra dele em um colégio em São Paulo, quando eu era adolescente e já era apaixonado pelos seus livros.
Inclusive, esta releitura jurídica foi feita em cima do exemplar físico que tenho desde os meus anos de colegial (ou ensino médio, como se chama hoje em dia).
Mas enfim, vamos começar a falar da história propriamente dita.
"Estou cego, estou cego, repetia com desespero enquanto o ajudavam a sair do carro, e as lágrimas, rompendo, tornaram mais brilhantes os olhos que ele dizia estarem mortos" - comecinho do livro
Assim vemos a cegueira branca acometer sua primeira vítima. A história basicamente começa com um senhor dentro de seu carro, parado no farol (semáforo). Do nada, a cena urbana que se passa à sua frente some, e é tomada por uma grande nuvem branca.
Saramago diz que a cegueira repentina é como entrar em um "mar de leite". Afe, o cara escrevia bem.💪♥️
Os carros impacientes começam a buzinar, pois a esta altura o farol já ficou verde mas o senhor está tentando entender o que aconteceu com sua visão.
E é aí que ele percebe que está cego, preso em um grande nada branco, vendo apenas essa parede infinita branca.
No pânico, ele fala as palavras em negrito acima e finalmente o ajudam.
Um homem, se oferece para dirigi-lo até sua casa.
Ao deixar o homem cego (detalhe, Saramago não nomeia os seus personagens) dentro de sua apartamento, o homem que prestou ajuda decide roubar-lhe o carro. Sim, ele tirou proveito e roubou o carro do homem cego que ajudou a chegar em casa.
A cena da primeira vítima da cegueira branca dentro de seu apartamento, é forte e triste.
"Ao mover-se em direcção à sala de estar, e apesar da prudente lentidão com que avançava, deslizando a mão hesitante ao longo da parede, fez cair ao chão uma jarra de flores de que não estava à espera."
Vemos aqui que esse homem, que meia hora antes via com perfeita normalidade, agora está no processo de se adaptar a uma abrupta e completa mudança.
Passa algum tempo e a esposa do homem cego chega em casa. Ela não entende por que seu marido se encontra naquele estado de pânico, nem por que há flores e pedaços de vidro espalhados pelo chão.
Ele então tenta-se acalmar e explica a situação. Juntos, decidem ir de imediato ao oftalmologista (que Saramago nomeia como o médico), mas logo percebem que o carro lhes foi roubado por aquele homem que tinha oferecido ajudá-lo a voltar para casa. É uma cena bastante triste, perceber que alguém tiraria proveito de uma pessoa em uma situação tão difícil. Mas sabemos que isso acontece
"A mulher vinha a entrar, nervosa, transtornada, O santinho do teu protector, a boa alma, levou-nos o carro, Não pode ser, não deves ter visto bem, Claro que vi bem, eu vejo bem, as últimas palavras saíram-lhe sem ela querer..."
Esse trecho acima é bem interessante, não só para mostrar a tensão do momento do homem cego e sua esposa estarem descobrindo sobre o furto do veículo, mas também para mostrar o estilo de escrever do Saramago.
Eu tinha dito anteriormente que ele mistura os diálogos dos diferentes personagens junto com a narrativa de um modo brilhante.
Normalmente os autores mostrariam um diálogo, quebrariam a linha, começariam outro diálogo, ou pelo menos os colocariam entre aspas... mas não Saramago. Ele faz esse caldo português maravilhoso.
Enfim, voltando à história:
O homem cego e sua mulher chegam ao consultório do médico. Lá conhecemos alguns outros personagens centrais na história, como a rapariga dos óculos escuros. Ela é uma jovem atrativa, que está usando óculos escuros porque está com uma baita rinite.
Conhecemos também um garotinho estrábico, criança ainda, que está lá com sua mãe, um velho com uma venda preta no olho... Ou seja, estamos dentro de um consultório oftalmológico.
Enfim, pela gravidade do caso, o homem cego e sua mulher passam primeiro com o doutor, não sem deixarem os outros pacientes que aguardam chateados.
Lá, o homem cego é examinado de todos os modos possíveis mas o doutor não encontra nada de errado com seus olhos.
"O médico subiu e baixou o sistema binocular do seu lado, fez girar parafusos de passo finíssimo, e principiou o exame. Não encontrou nada na córnea, nada na esclerótica, nada na íris, nada na retina, nada no cristalino, nada na mácula lútea, nada no nervo óptico, nada em parte alguma. Afastou-se do aparelho, esfregou os olhos, depois recomeçou o exame desde o princípio, sem falar, e quando outra vez terminou tinha na cara uma expressão perplexa, Não lhe encontro qualquer lesão, os seus olhos estão perfeitos."
Eis que o médico termina a consulta, completamente estupefato. Como é possível esse homem, com os olhos perfeitos, estar cego em "um mar de leite"?
O médico depois consulta os outros pacientes (a rapariga dos óculos escuros, o garotinho estrábico, o homem da venda preta etc...), mas a verdade é que seu foco está disperso. Ele não consegue parar de pensar no caso do homem cego com os olhos perfeitos.
Em paralelo a isso, o ladrão do carro está tocando o seu dia quando....
"Ainda não tinha andado trinta passos quando cegou"
Portanto, o ladrão de carro, é a segunda vítima da cegueira. Assim como ocorreu com o homem que ele "ajudou" a chegar em casa para depois roubar-lhe o automóvel, eis que agora ele também sofria desse mal súbito e estava perdido e cego em seu mar de leite.
Voltando ao médico: ele chega em casa, janta com sua esposa, e depois não consegue dormir. Insônia total com o caso que lhe enche a cuca.
Ele pega alguns livros de sua época de estudante de medicina mas nada consegue explicar a cegueira branca repentina que acometeu seu paciente dos olhos perfeitos, perdidos em um branco cegante.
Ao estudar noite adentro casos de cegueira nos livros, virando página atrás de página, o médico nada descobre. Ele fecha os olhos e de repente... do nada... também chega sua hora de navegar nesse difícil "mar de leite". Ele também cega. Temos assim a terceira vítima da cegueira, o próprio médico dos olhos.
A história avança e descobrimos que a rapariga dos óculos escuros, que é uma profissional do sexo, também fica cega. Inclusive, a sua cegueira vem após um orgasmo. Ela fecha os olhos com o mais intenso dos prazeres e, quando os abre, também está dominada pela cegueira branca.
E por aí vai.
Percebemos que essa cegueira é, de fato, contagiante, e que todas as pessoas que vão tendo contato com alguém que cega, uma hora também ficam cegas. Por exemplo, o policial que ajuda o ladrão de carros a voltar para sua casa (que ficou cego por ajudar o primeiro homem cego), também fica cego. E assim, a coisa se espalha e rápido.
Quando o médico percebe que ele também cegou, ele decide notificar as autoridades de saúde o quanto antes, justamente para tentar frear o contágio. E claro que ele está extremamente preocupado com sua esposa, que obviamente deveria, por lógica do contágio, também se cegar.
"E agora, que vamos fazer, perguntava entre lágrimas, Avisar as autoridades sanitárias, o ministério, é o mais urgente, se se trata realmente duma epidemia é preciso tomar providências, Mas uma epidemia de cegueira foi coisa que nunca se viu, alegou a mulher, querendo agarrar-se a esta derradeira esperança, Também nunca se viu um cego sem motivos aparentes para o ser, e neste momento já há pelo menos dois. Mal acabara de pronunciar a última palavra, o rosto transformou-se-lhe. Empurrou a mulher quase com violência, ele próprio recuou, Afasta-te, não te chegues a mim, posso contagiar-te..."
Mas a mulher do médico não se cegou. E não se cegará.
Ela é a única personagem de todos que permanecerá com a visão intacta ao longo dessa tenebrosa e genial história. E é pelos seus olhos que a mulher do médico verá o quanto pobre e cruel as pessoas podem ser. Mas estou me adiantando...
Após as autoridades verem que de fato trata-se de uma possível epidemia com graves consequências, eles decidem isolar as pessoas que estão cegas.
O governo resolve isolar as pessoas contagiadas em um antigo manicômio abandonado.
Esse local tem duas alas: na ala da direita decidem colocar os que já estão cegos, e na ala da esquerda, os que tiveram contato com os infectados (e, portanto, também estão infectados) mas ainda não cegaram.
Decidem também colocar uma cerca para que os em quarentena não possam fugir e uma corda, para que os cegos possam descer dos caminhões e se guiar (segurando a corda até a porta de entrada).
Quando o exército passa para recolher o médico, a sua mulher diz que também quer ir. O soldado, com a lista, na mão diz que só tem ordens de levar o médico. Ela então mente que acaba de ficar cega e consegue ir junto com seu marido para o local de quarentena.
Quando o médico, sua mulher e alguns outros chegam no antigo manicômio para começarem a quarentena, passam os primeiros momentos tentando entender o que está ocorrendo.
Vale lembrar que a visão da mulher do médico funcionar ainda, ajuda muito. Mas ela precisa manter isso em segredo, tanto do exército, quanto dos outros infectados.
Assim é que ela guia o seu marido enquanto entram no antigo prédio. O exército colocou uma corda para ajudar os cegos a irem até a porta, mas uma vez lá dentro, nota-se o completo abandono a que são deixados.
Não só o local está completamente sujo, mas as condições dos lavabos são degradantes. A essa altura do campeonato, só estão em sete pessoas: o médico, a sua mulher, a rapariga dos óculos escuros, o menino estrábico (sem sua mãe), o primeiro cego, sua esposa e o ladrão de carros. Cada um reclama para si uma cama e começam a tentar entender por quanto tempo aquela situação irá durar.
Não demora muito para que o primeiro cego e o ladrão de carros entendam que estão juntos. Brigam, se xingam e até tentam sair na mão. Mas em vão. Nada enxergam, a não ser a nuvem branca. Assim é que o médico e sua esposa começam a, de certa forma, liderar esse pequeno grupo, acalmando a briga e fazendo a todos entenderem que a situação em que estão metidos já é complicadíssima, sem as brigas internas.
A rapariga dos óculos também passa a ser uma figura materna para o menino estrábico, que nada mais é do que uma criança e não para de chorar e clamar por sua mãe.
A situação é tenebrosa. As condições de higiene já são péssimas, e isso com apenas sete pessoas no local. Imagine o quanto piorará com os dias, e a chegada dos outros infectados. Tanto o médico quanto sua mulher, percebem que em alguns poucos dias, aquela relativa "paz" irá se esgotar e a situação será de colapso.
Enquanto os novos 'moradores' do antigo manicômio tentam fazer sentido de tudo aquilo – a nova moradia, os novos colegas e o fato de estarem cegos há menos de dois dias –, o alto-falante do manicômio começa a dar um recado surreal:
"Atenção, atenção, atenção!
O Governo lamenta ter sido forçado a exercer energicamente o que considera ser seu direito e seu dever, proteger por todos os meios as populações na crise que estamos a atravessar, quando parece verificar-se algo de semelhante a um surto epidêmico de cegueira, provisoriamente designado de mal-branco, e desejaria poder contar com o civismo e a colaboração de todos os cidadãos para estancar a propagação do contágio, supondo que de um contágio se trata, supondo que não estamos perante uma série de coincidências por enquanto inexplicáveis. A decisão de reunir num mesmo local as pessoas afectadas, e, em um local próximo, mas separado, as que com elas tiveram algum tipo de contacto, não foi tomada sem séria ponderação. O Governo está perfeitamente consciente das suas responsabilidades e espera que aqueles a quem esta mensagem se dirige assumam também, como cumpridores cidadãos que devem ser, as responsabilidades que lhes competem, pensando que o isolamento em que agora se encontram representará, acima de quaisquer outras considerações pessoais, um acto de solidariedade para com o resto da comunidade nacional. Dito isto, pedimos a atenção de todos para as instruções que se seguem, primeiro, as luzes manter-se-ão sempre acesas, será inútil qualquer tentativa de manipular os interruptores, não funcionam, segundo, abandonar o edifício sem autorização significará morte imediata, terceiro, em cada camarata existe um telefone que só poderá ser utilizado para requisitar ao exterior a reposição dos produtos de higiene e limpeza, quarto, os internados lavarão manualmente suas roupas, quinto, recomenda-se a eleição de responsáveis de camarata, trata-se de uma recomendação, não de uma ordem, os internados organizar-se-ão como melhor entenderem, desde que cumpram as regras anteriores e as que seguidamente continuamos a enunciar, sexto, três vezes ao dia serão depositadas caixas de comida na porta da entrada, à direita e à esquerda, destinadas, respectivamente, aos pacientes e aos suspeitos de contágio, sétimo, todos os restos deverão ser queimados, considerando-se restos, para este efeito, além de qualquer comida sobrante, as caixas, os pratos e os talheres, que estão fabricados de materiais combustíveis, oitavo, a queima ser efectuada nos pátios interiores do edifício ou na cerca, nono, os internados são responsáveis por todas as consequências negativas dessas queimas, décimo, em caso de incêndio, seja ele fortuito ou intencional, os bombeiros não intervirão, décimo primeiro, igualmente não deverão os internados contar com nenhum tipo de intervenção do exterior na hipótese de virem a verificar-se doenças entre eles, assim como a ocorrência de desordens ou agressões, décimo segundo, em caso de morte, seja qual for a sua causa, os internados enterrarão sem formalidades o cadáver na cerca, décimo terceiro, a comunicação entre a ala dos pacientes e a ala dos suspeitos de contágio far-se-á pelo corpo central do edifício, o mesmo por onde entraram, décimo quarto, os suspeitos de contágio que vierem a cegar transitarão imediatamente para a ala dos que já estão cegos, décimo quinto, esta comunicação será repetida todos os dias, a esta mesma hora, para conhecimentos dos novos ingressados. O Governo e a Nação esperam que cada um cumpra o seu dever. Boa noite."
Optei por transcrever na íntegra o anúncio governamental presente no livro por duas razões:
Para mostrar o absurdo das regras impostas nesse confinamento forçado;
O fato que os prisioneiros (sim, chamo-os de prisioneiros) vão escutar esse mesmo anúncio todos os dias, ao longo do livro. Logo, para entendermos mais a sensação de abandono e injustiça que nossos personagens sentem, achei prudente colocar o anúncio por inteiro.
E o Saramago escreve assim mesmo, uma "bifa" de texto. Não divide o anúncio governamental por pontos, não usa parágrafos... Faz parte do estilo dele, e nesse caso, nós, leitores, sentimos o peso desse anúncio burocrático insensível e desumano.
Vamos analisar um pouco essas regras anunciadas a que são submetidos os confinados:
não podem sair, sob pena de morte imediata;
não têm qualquer contato com o mundo exterior, a não ser por um telefone (que na verdade nem funciona) e apenas para pedir produtos de limpeza;
caso adoeçam, não terão auxílio algum. Que morram, abandonados;
são obrigados a queimar dejetos e sendo recentemente acometidos de uma cegueira, bem poderia acontecer um incêndio acidental. Mas seja como for, caso pegue fogo, queimarão até a morte, pois os bombeiros não lhes prestarão auxílio;
os mortos, qualquer que seja a causa da morte, deverá ser enterrado por eles mesmo. Não há qualquer investigação do por que aquela pessoa veio a falecer e nem a preocupação com a dignidade do falecido ou a segurança higiênica e mental das pessoas que são forçadas, sem nenhum treinamento, a lidar com um cadáver... e por aí vai.
O que se percebe é que o confinamento foi implementado sem qualquer cuidado com a dignidade humana daqueles que lá dentro agora se encontram.
Claro que há estados de exceção, como veremos adiante, onde alguns direitos e garantias fundamentais, como o direito à dignidade, ao livre exercício do ir e vir, etc, podem ser temporariamente suspensas.
Durante o COVID, nós mesmos tivemos alguns direitos temporariamente suspensos. Mas nem se compara ao que essas pessoas no livro passaram.
Imaginem um decreto governamental que estabelecesse a morte imediata para qualquer pessoa que tentasse sair de um lugar de isolamento. Ou que, em caso de incêndio, os bombeiros não interviriam! É realmente um triste descalabro.
Em Ensaio sobre a cegueira, todos os que estão confinados no antigo manicômio ficam incrédulos quando escutam esse anúncio pela primeira vez (de muitas)... e nós, leitores, sentimos uma angústia nessa parte do livro imaginando a aflição que os personagens estão sentindo.
Antes de analisarmos juridicamente o que vimos até agora, vale lembrar que Fernando Meirelles dirigiu em 2008 a adaptação de Ensaio sobre a cegueira para o cinema.
O filme se chama Blindness (ou Ensaio sobre a cegueira) e conta com uma atuação simplesmente fu%#¨@ da Julianne Moore como a mulher do médico, Mark Ruffalo como o médico, Gael García Bernal como um personagem nefasto, Danny Glover como o homem da venda preta, e Alice Braga como a rapariga... Enfim, um elencaço!
O filme é muito bom e, claro, nas mãos de Meirelles (Cidade de Deus), nem poderia ser diferente, né?
Deixo aqui o trailer para que assistam, mas continuo recomendando fortemente a leitura do livro.
A escrita de Saramago é uma obra de arte sem igual — e nada substitui a experiência de se perder (e se encontrar) naquelas páginas.
🎧Vídeo incorporado do YouTube, disponível publicamente. Os direitos da música e da interpretação pertencem aos respectivos autores e detentores legais. Este conteúdo é compartilhado com fins educativos e culturais, sem fins lucrativos, como parte do projeto Artigo Infinito.
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Pausa no livro!
Hora do olhar jurídico:
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📌Assuntos jurídicos que exploraremos com base no livro Ensaio sobre a cegueira:
🔶Tópico 1: Quais são alguns dos mais importantes Direitos e Garantias fundamentais assegurados pelo Direito brasileiro
🔶Tópico 2: O que são estados de exceção
🔶Tópico 3: A ausência de um cuidado estatal adequado e o perigo da autotutela
🔶Tópico 4: Um breve apanhado histórico sobre os contratualistas e a importância de termos um Estado adequado para nos reger como coletivo
🔶Tópico 5: A importância da bioética e órgãos reguladores
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Agora que você já conhece os tópicos que vamos abordar, bora mergulhar em cada um deles?
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🔶 Tópico 1: 🔶
Quais são alguns dos mais importantes Direitos e Garantias fundamentais assegurados pelo Direito brasileiro
A Constituição Federal de 1988 (CF/88), carinhosamente chamada de "Constituição Cidadã", assegura no seu Título II os chamados Direitos e Garantias Fundamentais, que representam o alicerce do nosso Estado Democrático de Direito.
Especialmente após os anos de ditadura militar onde nossos direitos foram altamente suprimidos (para dizer o mínimo), a CF/88 colocou em seu âmago a necessidade de proteger a todo custo esses direitos e garantias.
Entre eles, destacam-se:
❤️Direito à vida – garante a existência física de cada pessoa, protegendo-a contra ameaças ou ações que possam causar sua morte.
🕊️Direito à liberdade – assegura que cada indivíduo possa agir, pensar e se expressar livremente, dentro dos limites da lei.
🤝Direito à dignidade – reconhece o valor intrínseco de cada ser humano, exigindo respeito e proteção por parte do Estado e da sociedade.
⚖️Direito à igualdade – garante tratamento igualitário a todos, proibindo discriminações injustas.
🛡️Direito à segurança – protege contra ameaças à integridade física, moral e patrimonial, exigindo do Estado medidas de prevenção e proteção.
🏥Direito à saúde – garante acesso a serviços e condições que promovam o bem-estar físico e mental.
Esses direitos têm aplicação imediata e não podem ser suprimidos arbitrariamente. O direito à dignidade da pessoa humana, em especial, é um dos fundamentos da República (art. 1º, III, CF/88) e estabelece que cada indivíduo possui um valor intrínseco que o Estado tem o dever de proteger e respeitar.
Alguns desses direitos estão protegidos por uma blindagem ainda mais forte, as chamadas cláusulas pétreas do artigo 60, §4º, da CF/88. Isso significa que nem mesmo uma emenda constitucional pode extingui-los, pois representam os pilares inegociáveis da nossa sociedade. É o caso dos direitos e garantias individuais, que incluem o núcleo da dignidade humana e o direito à vida.
Em Ensaio sobre a cegueira, vemos essas garantias sendo desrespeitadas de forma brutal já no anúncio governamental. Para citar apenas alguns:
A pena de morte sumária para quem tentar sair afronta de forma direta e irremediável o direito à vida.
Cegos e infectados sendo tratados como uma total diferença em relação aos não cegos, como se tivessem menos valor.
O abandono médico e a ausência de socorro em caso de incêndio ignoram o direito à saúde e o dever de proteção do Estado.
A imposição de enterrar os mortos sem formalidades e sem qualquer apoio nega a dignidade da pessoa humana até mesmo após a morte.
O que o livro nos mostra, portanto, é a completa destruição dos alicerces de um Estado de Direito, mesmo durante um estado de exceção.
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🔶 Tópico 2: 🔶
O que são estados de exceção
Quando uma crise 🚨 se torna tão grave que as regras normais do jogo não dão conta, o Estado tem mecanismos legais para agir de forma extraordinária. A isso, damos o nome de estado de exceção.
Em sua essência, o estado de exceção é uma suspensão temporária de alguns direitos e garantias fundamentais para enfrentar uma situação de extrema gravidade.
A palavra-chave aqui é temporária: os direitos não são eliminados, apenas restringidos por um período delimitado, e devem ser imediatamente restabelecidos assim que a situação de normalidade volte.
No Brasil, nossa Constituição prevê três tipos de "estado de exceção":
🛡️Estado de Defesa: pode ser decretado para preservar ou restabelecer a ordem pública ou a paz social em locais restritos, em casos de grave e iminente instabilidade institucional ou de calamidades de grandes proporções na natureza.
Dura, no máximo, 30 dias, podendo ser prorrogado uma vez por igual período (art. 136, §2º, CF/88).
⚔️Estado de Sítio: é para situações mais extremas, como guerra ou resposta a uma agressão armada. Dura, no máximo, 30 dias, mas pode ser prorrogado por mais tempo se for preciso.
No Estado de Sítio por guerra, não há limite fixo de dias — dura até cessar o motivo.
🆘Estado de Calamidade Pública: situação de emergência geralmente ligada a desastres naturais (enchentes, secas, deslizamentos) ou epidemias (como a de COVID😷).
Diferente dos outros estados de exceção, não suspende direitos fundamentais, mas concede mais agilidade ao governo para remanejar recursos, flexibilizar regras fiscais e tomar medidas emergenciais — como restrições temporárias de circulação, distanciamento social, uso obrigatório de máscaras, ou realocação imediata de verbas para saúde e segurança.
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📜Exemplos dessas medidas de exceção nas diferentes esferas de governo
🔍Governo Federal
O Presidente da República pode editar Medidas Provisórias em casos de urgência e relevância (com validade de até 120 dias). Também pode solicitar ao Congresso o reconhecimento de estado de calamidade pública nacional, o que permite a liberação de recursos e a adoção de medidas excepcionais.
Exemplo real: em 2018, a crise de violência no estado do Rio de Janeiro atingiu um nível tão grave que o Governo Federal precisou intervir diretamente na segurança pública do estado.
Para viabilizar financeiramente essa intervenção, o então presidente Michel Temer editou a Medida Provisória nº 825/2018, que liberou R$ 1,2 bilhão em crédito extraordinário.
Os recursos foram destinados ao custeio das ações das Forças Armadas, da Polícia Federal e de outras estruturas envolvidas no restabelecimento da ordem pública.
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🔍Governo Estadual:
O governador pode decretar situação de emergência ou estado de calamidade em casos como desastres naturais ou crises sanitárias, o que permite o uso de verbas emergenciais, contratações temporárias e adoção de medidas excepcionais.
Exemplo real 1: durante a pandemia da COVID-19, o Governo do Estado de São Paulo declarou estado de calamidade pública (Decreto nº 64.879/2020), suspendendo atividades de natureza não essencial e autorizando ações rápidas em saúde e gestão pública.
Exemplo real 2: no Ceará, o governo estadual publicou o Decreto nº 33.510/2020, declarando estado de calamidade pública e adotando medidas como suspensão de atividades presenciais, restrições de transporte e controle de circulação em áreas urbanas. O objetivo foi conter o avanço acelerado do vírus no estado, que enfrentava alta taxa de transmissão e sobrecarga hospitalar.
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🔍Governo Municipal:
O prefeito pode decretar emergência ou calamidade pública no município, o que agiliza contratações, compras públicas e a implementação de medidas urgentes, especialmente em situações como epidemias, enchentes ou deslizamentos.
Exemplo real: em maio de 2024, a Prefeitura de Porto Alegre declarou estado de calamidade pública em razão das enchentes que atingiram a cidade, por meio do Decreto Municipal nº 22.647/2024.
O decreto permitiu contratações emergenciais, mobilização da Defesa Civil e atendimento rápido à população afetada.
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O que o livro de Saramago nos mostra, portanto, não é um estado de exceção conforme a lei⚖️.
Trata-se de uma imposição governamental feita às pressas, sem fundamento jurídico, sem prazo definido e sem qualquer cuidado com a dignidade humana ou o direito à vida.
É um regime de aniquilação de direitos. Em Ensaio sobre a cegueira, a lei estatal, cuja função existe para proteger o individuo se torna instrumento de abandono institucional.
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🔶 Tópico 3: 🔶
A ausência de um cuidado estatal adequado e o perigo da autotutela
Em uma sociedade coletiva e organizada, o Estado 🏛️(E APENAS O ESTADO) detém o monopólio da justiça e da possibilidade de usar força.
É o que chamamos de tutela estatal: a garantia de que o Estado nos protegerá e resolverá os conflitos através da lei, da polícia e do sistema judiciário.
Por isso, a autotutela — a famosa "fazer justiça com as próprias mãos" — é proibida e tratada como crime.
A nossa legislação penal prevê no Artigo 345 do Código Penal o crime de "Exercício Arbitrário das Próprias Razões", que inclusive criminaliza justamente a conduta de tentar satisfazer uma pretensão, ainda que legítima, por meio da força, sem recorrer aos canais legais.
Em Ensaio sobre a cegueira, porém, essa tutela estatal desaparece por completo quando os cegos são deixados à própria sorte no confinamento. O Estado, que deveria proteger, se retira. Inclusive no seu anúncio governamental diário, o Governo diz:
🔊"recomenda-se a eleição de responsáveis de camarata, trata-se de uma recomendação, não de uma ordem, os internados organizar-se-ão como melhor entenderem, desde que cumpram as regras anteriores"
Ou seja, o próprio governo está recomendando a autotutela!
🤯
E é nesse vácuo de poder que a autotutela surge, não como uma escolha, mas como a única forma de sobrevivência.
Os cegos são forçados a criar suas próprias regras e a se defender. Os confinados não terão:
Polícia 🚨 para mediar brigas ou punir ladrões.
Bombeiros 🚒 para apagar incêndios.
Médicos 🩺 para tratar doenças.
E aqui reside o grande perigo da autotutela: as opiniões sobre o que é certo, errado ou moral podem variar drasticamente de indivíduo para indivíduo.
Em uma democracia, a regra do mais forte não é a que vence, e sim a regra da maioria, expressa por meio de leis.
No manicômio abandonado em que estão presos e isolados, a maioria dos cegos sofrem muito com a autotutela em vigor. Rapidamente, uns poucos mais fortes (os cegos armados, como veremos mais adiante) se impõem e passam a dominar os outros, impondo fome, tortura e até violência sexual sobre os demais (não armados). É por isso que a autotutela é uma me#$%, em sua essência e leva ao caos. É o paraíso dos bullies, digamos assim.
No livro do grande Saramago, ao vermos o abandono do Estado, a autotutela se impõe e, como veremos adiante, o caos se instala de forma brutal.
No nosso próximo tópico, faremos uma breve análise histórica para entender como pensadores do passado, os chamados contratualistas, nos mostraram a importância de um Estado regulador para evitar o caos.
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🔶 Tópico 4: 🔶
Um breve apanhado histórico sobre os contratualistas e a importância de termos um Estado adequado para nos reger como coletivo
Um Estado ausente é aquele que falha em sua missão mais básica: proteger a vida e a dignidade das pessoas. Como claramente ocorre no livro Ensaio sobre a cegueira.
Quando o Estado falha, por negligência, omissão ou pura ausência, o caos ocupa o lugar da lei. E no caos, surgem milícias, facções, abusadores, justiceiros e tiranos... surgem verdadeiros monstros.
⚖️A Teoria do Contrato Social:
Para entender por que o Estado é tão importante , vale olhar para três pensadores fundamentais: Hobbes, Locke e Rousseau.
Cada um deles tentou responder à pergunta: por que o ser humano abre mão de sua liberdade e se submete a um governo?
Ou pelo menos, que valor haveria em abrirmos mãos de nossas liberdades intrínsecas como bichos nesse planeta para um ente Estatal acima de nós?
Thomas Hobbes (1588–1679): o Estado como um mal necessário
Hobbes viveu em meio à guerra civil inglesa — e viu de perto o que acontece quando não há Estado.
Sua visão é sombria, mas realista: sem governo, não há justiça. Só violência. Ele descreveu o estado natural do ser humano como uma guerra de todos contra todos, onde a vida seria:
"solitary, poore, nasty, brutish, and short." ou em português "solitária, pobre, sórdida, brutal e curta."
Foi ele quem comparou o Estado ao Leviatã — um monstro mitológico que impõe ordem pelo medo, concentrando todo o poder para garantir a paz.
Para Hobbes, o Estado não nasce do bem, mas da necessidade de evitar o pior: o caos.
Portanto, o Estado é um mal necessário. Mas mesmo sendo um bo$@#, o Estado serve come uma espécie de freio à barbárie.
John Locke (1632–1704): o Estado como guardião dos direitos:
Para Locke, o ser humano já possui direitos naturais antes mesmo da criação do Estado: o direito à vida, à liberdade e à propriedade.
O Contrato Social, para ele, não é uma entrega total da liberdade (como em Hobbes), mas um acordo para criar um governo cuja principal função é justamente proteger esses direitos.
O poder do governo, portanto, é limitado e só é legítimo se tiver o consentimento dos governados. Se o governo falha em sua missão de proteger os direitos, ou pior, os viola ativamente, ele se torna ilegítimo.
E, para Locke, os cidadãos têm o direito (e o dever) de resistir e até mesmo derrubar esse governo.
Jean-Jacques Rousseau (1712–1778): o Estado como pacto coletivo
Rousseau dá um passo além: diz que a sociedade só é legítima quando fundada sobre um contrato social que represente a vontade geral — ou seja, o interesse coletivo. Para ele, o ser humano nasce bom, mas é corrompido pela sociedade.
O papel do Estado, então, é criar um novo pacto baseado na igualdade, na liberdade e na participação de todos.
Assim, o ser humano, que foi corrompido pela sociedade injusta, poderá viver de forma mais autêntica e coletiva — e sua corrupção será, ao menos, contida por regras que ele mesmo ajudou a construir. Um Estado não pode ser imposto — ele precisa nascer do comum.
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Euzinho sou fã do Hobbes. Eu compartilho de sua visão que o ser humano é ruim por natureza e que o Estado também não é lá grandes coisa. Mas é um mal (ABSOLUTAMENTE) necessário para que não haja a barbárie e que os fisicamente mais fortes imponham sua dominação
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Voltando ao Saramago, em sua obra Ensaio sobre a cegueira, ele nos joga de volta a esse estado de natureza pré-contratualista, onde a tutela do Estado falha completamente.
A ausência do Leviatã de Hobbes, a violação dos direitos naturais de Locke e a dissolução da vontade geral de Rousseau resultam exatamente no caos que os confinados enfrentam.
A autotutela se instala, a lei do mais forte prevalece e o horror da vida "solitária, pobre, sórdida, brutal e curta" se torna a triste realidade.
Realmente no manicômio sujo e abandonado em que os cegos estão presos a vida se torna "solitária, pobre, sórdida, brutal e curta." Hobbes tinha razão.
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Observação:
Se você gostou dessa análise, talvez se interesse por outros textos que escrevi. Falo bastante sobre a falta de tutela estatal na releitura jurídica do filme Redenção e sobre confinamentos forçados e direitos fundamentais na releitura jurídica do livro A Peste, de Camus.
Confira aqui:
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🔶 Tópico 5: 🔶
A importância da bioética e órgãos reguladores
A história da humanidade nos mostra que a ética médica, amparada por órgãos reguladores fortes e uma legislação robusta, é a base para proteger a dignidade humana em momentos de crise.
Pude aprofundar essa questão em um curso maravilhoso sobre Direito Médico e Bioética, da OAB, ministrado pelas excelentes advogadas Monielly Farias Lins e Michelle Wernèck.
Nesse curso, debatemos exemplos concretos do quanto é vital haver legislação e fiscalização adequadas para garantir o tratamento e o respeito aos pacientes.
No Brasil, o artigo 196 da Constituição Federal é claro: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Ou seja, mesmo em situações emergenciais, o Estado e as instituições de saúde têm a obrigação constitucional de agir para proteger a vida.
O Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina, reforça esse compromisso.
O art. 2º do Capítulo I, por exemplo, determina que “o alvo de toda atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional”.
Diversos outros artigos do Código de Ética Médica, além do Juramento Hipocrático que os médicos fazem, mostram a responsabilidade que eles têm por zelar pela vida humana.
Isso, claro, fortemente respaldado pela nossa Constituição Federal que garante o Direito à Vida e à Saúde como direitos básicos e inalienáveis.
Imaginem se tivéssemos passado a pandemia do COVID sem o Conselho Federal de Medicina e os Conselhos Regionais de Medicina, isso sem falar na nossa Constituição Federal, que determinou o melhor jeito de lidar com a crise sanitária?
Em Ensaio sobre a Cegueira, porém, vemos a total ausência desses princípios.
As instituições médicas desaparecem junto com o Estado, e o confinamento dos cegos no antigo manicômio é a prova mais brutal dessa falência.
A bioética, que deveria guiar as ações dos profissionais de saúde, é completamente ignorada no livro Ensaio sobre a cegueira:
🩺Ausência de Cuidados: não há médicos ou equipes de saúde cuidando dos cegos. A falta de higiene e saneamento básico no local se torna uma sentença de morte.
A saúde pública é abandonada, e a vida de cada indivíduo é deixada à própria sorte. Isso, inclusive, é claramente anunciado pelo alto-falante instalado no antigo manicômio:
🔊"...décimo primeiro, igualmente não deverão os internados contar com nenhum tipo de intervenção do exterior na hipótese de virem a verificar-se doenças entre eles, assim como a ocorrência de desordens ou agressões, décimo segundo, em caso de morte, seja qual for a sua causa, os internados enterrarão sem formalidades o cadáver na cerca,..."
⚖️Consentimento e Autonomia: O confinamento é imposto. Os cegos são tratados como objetos de uma quarentena desumana, sem voz e sem dignidade. Seus corpos são controlados pelo medo e pela violência, e não pela ética profissional.
🤝Justiça e Igualdade: a bioética defende a igualdade de tratamento. No livro, no entanto, a lei do mais forte determina quem vive e quem morre. O acesso a alimentos e a cuidados básicos não é um direito, mas uma concessão dos mais poderosos.
No mundo real, omissões como as retratadas por Saramago poderiam gerar responsabilidade civil e penal por omissão de socorro (art. 135 do Código Penal), além de responsabilidade administrativa perante os Conselhos de Medicina.
No livro, a mulher do médico, ao cuidar do seu grupo, age de forma intuitiva e moralmente correta. Ela se torna um exemplo vivo de ética, empatia e cuidado, justamente aquilo que o sistema (a CFM e a CRM do país fictício, por exemplo) deveria garantir, mas não garantiu.
O livro de Saramago é um alerta poderoso para a importância da bioética, não apenas como teoria, mas como prática essencial para a manutenção de nossa humanidade e a vigilância dos (e pelos) órgãos reguladores.
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Chega de estudar Direito por agora!
Hora de surfar de novo no livro
🌊🏄📖
Uau… eu não me canso de dizer como esse livro é maravilhoso.
Mas também não quero avançar muito na história para não dar mais spoilers dos que já dei.
Mas um resuminho rápido: mais e mais cegos e infectados vão chegando e sendo jogados dentro do antigo manicômio. Em poucos dias, conforme a mulher do médico tinha prevista, o lugar está abarrotado de pessoas.
A falta de higiene é gritante, os banheiros são insuficientes e não funcionam bem, as pessoas têm que começar a dormir no chão por falta de leitos. É uma situação tenebrosa. E sempre, o mesmo anúncio governamental gritando na cara deles que estão ali à própria sorte e que se f$¨#(
E como se isso não bastasse, a comida que o exercito entrega todos os dias é altamente insuficiente. A fome passa a vigorar. E, rapidamente, sem a tutela de um Estado protetor como vimos acima, o caos se instala.
Roubos começam a ocorrer onde a comida passa a ser controlada por uma espécie de milícia controlada por um grupo específico de cegos.
Estes carregam uma arma de fogo e, assim, passam a determinar quem come e quando. Inclusive, talvez na parte mais triste do livro, passam a exigir sexo em troca de comida. É um tremendo horror. Mas claro, como diria Hobbes, é o que ocorre quando não temos o Leviatã para nos controlar.
O livro segue brilhantemente, onde os cegos confinados adentram cada vez mais no caos, físico, mental, espiritual... O grupo inicial que vimos (o médico, sua mulher, a rapariga, o velho da venda, o primeiro cego e sua esposa e o garotinho) formam um verdadeiro grupo, uma espécie de família.
Vale relembrar que nesse horror e caos completo, a mulher do médico nunca perde sua visão e vê, com o horror da nitidez, o quanto o ser humano pode ser podre e cruel.
Se não fosse por ela, muito provavelmente esse grupo inicial teria morrido. Ixi, dei mais um spoiler, né?
Bom, antes de terminar aqui, quero fazer mais uma pausa jurídica. Bora la!
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Pausa no conto!
Hora do olhar jurídico:
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📌Assunto jurídico que exploraremos com base no livro Ensaio sobre a cegueira:
🔶Tópico 01: Jusnaturalismo, Juspositivismo e Lei do Mais Forte
🔶Tópico 02: Estupro de Vulnerável e o Uso da Violência Sexual como Poder
🔶Tópico 03: Lei Maria da Penha
🔶Tópico 04: Onde denunciar caso de abusos como violência sexual
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Agora que você já conhece os tópico que vamos abordar, bora mergulhar nele?
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🔶 Tópico final: 🔶
Jusnaturalismo, Juspositivismo e Lei do Mais Forte
Quando falamos de direito e justiça, duas correntes filosóficas são fundamentais: jusnaturalismo e juspositivismo. Elas explicam a origem da lei e o que, de fato, justifica as regras de convivência.
No entanto, é crucial entender que a famosa “lei do mais forte” não é uma lei de verdade — ela é, na verdade, a ausência total de lei.
Vamos entender a diferença?
🌿Jusnaturalismo: a Lei que vem da natureza
O jusnaturalismo defende que existem direitos e leis universais, naturais, que independem da existência de um Estado ou de normas escritas. Esses direitos seriam inerentes à condição humana — como o direito à vida, à liberdade e à dignidade — e devem ser respeitados sempre, em qualquer tempo e lugar.
📜Um breve apanhado histórico:
Na Antiguidade, filósofos como Aristóteles e Cícero falavam sobre uma “lei natural” — uma ordem moral e racional presente na própria natureza do ser humano e do universo.
Na Idade Média, Santo Tomás de Aquino uniu o jusnaturalismo à tradição cristã, reforçando que a lei natural vem de Deus e deve guiar as leis humanas.
Na modernidade, pensadores defenderam que a lei natural é universal e pode ser conhecida pela razão humana, independente da religião.
⚠️Importante: para o jusnaturalismo, agir pelo interesse próprio e pela força não é natural nem certo. Matar, roubar ou abusar de alguém não é justificado só porque você tem o poder para isso.
A “lei natural” é uma regra moral e ética, que nos diz o que devemos fazer para conviver em harmonia. Não é porque um animal pode matar outro que nós também poderíamos (até porque nem todos os animais matam!).
A ideia é que existe na natureza um código balanceado, inerente ao ser humano, que não precisa ser codificado em leis para garantir uma vida justa e segura.
🏛️Juspositivismo: a Lei feita pelo ser humano:
O juspositivismo, em oposição, defende que o direito é criado pelo homem, por meio de normas e leis escritas e impostas pelo Estado. O direito existe porque há uma autoridade estatal que o institui e o faz valer, independentemente de critérios morais.
📜Um breve apanhado histórico:
Durante o Iluminismo, filósofos começaram a defender que o direito deve ser entendido como um conjunto de normas criadas pelo homem, expressas em leis e aplicadas por instituições do Estado.
No século XIX, o juspositivismo ganhou força com autores como Hans Kelsen, que formulou a Teoria Pura do Direito, defendendo que o direito deve ser separado da moral e compreendido como um sistema fechado de normas.
Atualmente, o juspositivismo orienta grande parte dos sistemas jurídicos modernos, valorizando a criação, codificação e aplicação das leis por meio de processos legais formais.
🔫👹💪A “Lei do Mais Forte” em Ensaio sobre a Cegueira:
Vale repetir em voz muito alta: a lei do mais forte não é lei! Inclusive, se for autotutela, configura-se como crime no nosso Código Penal.
No livro Ensaio sobre a cegueira, quando o Estado desaparece, a “lei do mais forte” assume o lugar da ordem:
A autoridade estatal, que deveria sustentar o juspositivismo, se ausenta.
Nesse vácuo, os direitos naturais, que o jusnaturalismo defende como universais, são pisoteados.
Vemos então que tanto o jusnaturalismo quando juspositivismo são quebrados e soterrados dentro do antigo manicômio abandonado.
O grupo de cegos armados que controla a comida e exige sexo em troca dela vive essa cruel barbárie. Eles não seguem uma “lei da natureza” justa; eles apenas impõem sua vontade pela força, violando os direitos mais básicos de outros seres humanos.
😢
No entanto, em meio a esse terror, a mulher do médico se destaca como a honrosa exceção. Ela assiste a todo aquele horror com a lucidez de uma pessoa ética e digna. Sua luta para proteger seu grupo é uma tentativa desesperada de manter viva a dignidade humana que a cada dia mais se perde por aqueles velhos corredores.
No fim das contas, Ensaio sobre a Cegueira é um alerta para o que acontece quando o Estado falha e o direito positivo (ou natural, em sua forma de jusnaturalismo) some.
Esse colapso abre espaço para a violência e o abuso, mostrando que a “lei do mais forte” não é uma lei, mas a manifestação mais brutal da monstruosidade humana.
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🔶 Tópico 2: 🔶
Estupro de Vulnerável e o Uso da Violência Sexual como Poder
Ensaio sobre a Cegueira nos confronta com as ações mais vis e cruéis da humanidade quando as regras sociais desmoronam.
Um dos momentos mais perturbadores da narrativa é a violência sexual imposta pelo grupo armado, que exige sexo em troca de comida.
Do ponto de vista legal, essa ação se enquadra perfeitamente no crime de estupro de vulnerável, previsto no Código Penal Brasileiro.
Esse crime ocorre quando há conjunção carnal ou ato libidinoso com alguém que, por alguma razão, não pode oferecer consentimento livre e consciente.
A vulnerabilidade não se restringe apenas à idade, mas inclui também condições como desamparo, ou incapacidade de resistência — exatamente o que vivem os personagens no livro.
Conexão com a obra:
Vulnerabilidade: a cegueira e a fome tornam os personagens incapazes de resistir ou consentir. A violência é física e psicológica, pois a submissão é forçada pela fome e pelo medo.
Ausência de Consentimento: num cenário de barbárie, não há escolha real. Exigir sexo em troca de comida é um ato de dominação, que destrói a dignidade humana.
Violência como Instrumento de Poder: a violência sexual é usada para reafirmar o controle do grupo armado sobre os corpos e vidas dos mais vulneráveis. Mostra a total ausência de empatia e o colapso da moralidade.
Essa parte do livro é difícil de ler realmente. É de partir o coração que os cegos armados fariam isso com as mulheres, famintas e implorando por comida.
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🔶 Tópico 3: 🔶
Lei Maria da Penha
Um pouco da história da Lei Maria da Penha
⚖️No Brasil, a violência doméstica e familiar contra a mulher passou a ser tratada com mais seriedade a partir da criação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), uma das legislações mais importantes do país no enfrentamento à violência de gênero.
A lei leva o nome de Maria da Penha Maia Fernandes, uma mulher brasileira que sofreu, durante anos, agressões físicas e psicológicas cometidas por seu então marido.
Em 1983, ele tentou matá-la duas vezes: primeiro com um tiro (que a deixou paraplégica) e, depois, tentando eletrocutá-la durante o banho. Mesmo com provas, o agressor demorou quase 20 anos para ser condenado.
Cansada da impunidade, Maria da Penha denunciou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e o Brasil foi responsabilizado por omissão e negligência.
A partir disso, surgiu a necessidade de uma legislação específica e mais eficaz para proteger as mulheres.
Assim, nasceu a Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006.
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O que a Lei Maria da Penha garante
⚖️Define diferentes formas de violência:
Física;
Psicológica;
Sexual;
Patrimonial;
Moral.
⚖️Permite que a mulher solicite medidas protetivas de urgência, como:
Afastamento do agressor;
Proibição de contato;
Proteção de bens e dependentes.
⚖️Determina a criação de delegacias e juizados especializados no atendimento às mulheres.
⚖️Estimula políticas públicas de prevenção, acolhimento e reeducação dos agressores.
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Violência contra a mulher no mundo: uma pandemia invisível
Segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), 1 em cada 3 mulheres no mundo já sofreu violência física e/ou sexual de um parceiro íntimo ou violência sexual por terceiros em algum momento da vida.
Esses números são tenebrosos. E verdadeiros.
A violência baseada em gênero é considerada hoje uma violação grave dos direitos humanos e um problema de saúde pública global. Ela afeta a saúde física, emocional, sexual e reprodutiva das mulheres, podendo causar traumas profundos, doenças crônicas e até a morte.
A OPAS também alerta que crises humanitárias, como pandemias, conflitos armados e desastres naturais, aumentam significativamente os casos de violência contra a mulher — principalmente dentro de casa.
Durante a pandemia da COVID, por exemplo, os índices de agressões domésticas dispararam em diversos países. Com o isolamento, muitas mulheres ficaram confinadas com seus agressores, sem acesso a redes de apoio, segurança ou acolhimento institucional.
A violência contra a mulher não se restringe a agressões físicas. Ela pode ser:
Física (espancamento, empurrões, queimaduras);
Psicológica (ameaças, humilhações, isolamento);
Sexual (estupro, coerção, abuso);👈isso se encaixa (tristemente) no abuso tenebroso que as cegas do livro passam.
Patrimonial (controle de bens, destruição de documentos);
Moral (calúnia, difamação, insultos públicos ou privados).
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Voltando à obra Ensaio sobre a cegueira, essa parte do livro onde as mulher são violentadas é muito difícil de ler.
É de partir o coração que os cegos armados fariam isso com as mulheres, famintas e implorando por comida.
Mas é mais uma prova que o confinamento imposto pelo Estado a que as cegas estavam submetidas não lhe garantiram os mais básicos Direitos e Garantias fundamentais que encontraríamos na nossa Constituição.
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🔶 Tópico 4: 🔶
⚠️🚨⚠️
Onde e como denunciar abusos às mulheres
Se você está sofrendo ou conhece alguém em situação de violência sexual, não se cale. Denunciar salva vidas.
🛑Onde denunciar:
📞Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher (gratuito e 24h, inclusive aos fins de semana). Tempo de atendimento = menos de 1 minuto!
🚨Em casos de emergência, acione a Polícia Militar pelo 190
🏢Registre ocorrência na Delegacia da Mulher mais próxima (ou, em alguns estados, pela internet)
🤝Busque apoio em centros de referência de atendimento à mulher no seu município
🖥️Denuncie online ➡️ diferentes estados tem diferentes plataformas
🩷Denunciar também é um ato de cuidado e justiça.🩷
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Chega de estudar Direito por agora!
Hora de surfar de novo no conto
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Como já disse, não quero avançar demais na narrativa para evitar spoilers, mas fica uma pergunta que me persegue: por que a mulher do médico foi a única a não perder a visão?
Para encontrar uma resposta, voltemos ao Mito da Caverna de Platão, um clássico que joga uma luz sobre nosso tema.
Nele, prisioneiros acorrentados veem apenas sombras projetadas na parede e acreditam que essa é a realidade. Mas um deles se liberta, sai da caverna e, mesmo com os olhos doendo com a luz do sol (a luz da verdade) descobre o mundo real.
Ao voltar para alertar os outros, é ignorado. Eles preferem as sombras porque a verdade dói, e a mudança exige uma coragem que poucos têm.
Essa metáfora sobre a verdade e a resistência ao conhecimento encaixa-se perfeitamente em Ensaio sobre a Cegueira.
Acredito que a mulher do médico é a prisioneira que saiu da caverna.
Ela é a única que preserva a visão e, com ela, a dura verdade: que nós, como sociedade, estamos cegos.
Como os prisioneiros, nos acostumamos às sombras (ou à brancura do mar de leite) e nos recusamos a enxergar o mundo ao nosso redor.
Mas a mulher do médico, mesmo sentindo a dor de ver a monstruosidade humana, não fecha os olhos. Ela se tornou a personificação dos olhos críticos que todos nós deveríamos ter.
Saramago nos alerta: o Estado de Direito é frágil, e a ausência do Leviatã (Estado regulador) abre espaço para a barbárie.
A única esperança é a resistência fruto de uma visão lúcida: a recusa em aceitar a escuridão (ou a brancura total), a luta por uma sociedade justa e humana.
E, como reflexão final, fica a pergunta: será que a cegueira branca que os personagens no livro veem é, na verdade, a luz da verdade?
O prisioneiro de Platão, ao ver o sol pela primeira vez, também sente uma claridade intensa, um grande branco.
Será que essa cegueira branca é o que acontece quando somos forçados a encarar a verdade que nos machuca, mas que também nos liberta
Precisamos ter a coragem de sair da caverna e enfrentar a luz — assim como a mulher do médico fez.
Espero que tenham gostado da jornada. Fico por aqui. Mas escutem o tio Tom e leiam o livro!
⚖️Tópicos jurídicos abordados na releitura do livro Ensaio sobre a cegueira:
Estado de Exceção e Falência do Estado.
Abuso sexual.
Lei Maria da Penha.
Onde denunciar tais abusos.
Uso abusivo e declaração do estado de exceção.
Supressão temporária e excessiva de direitos e garantias fundamentais.
Excesso e descontrole do poder executivo em crises.
Abandono do cidadão pelo poder público (ausência de tutela estatal).
Colapso da ordem social e vácuo de autoridade (anomia).
Abandono do Leviatã de Hobbes, retorno ao estado de natureza.
Quebra da confiança no Estado de Direito.
Estado como executor de políticas desumanas (confinamento forçado e negligência).
Violação de Direitos Fundamentais e Humanos.
Violação da dignidade da pessoa humana (implícita e explícita).
Direito à vida, à integridade física, à liberdade, à saúde, ao saneamento e alimentação adequada.
Violação dos direitos humanos em ambientes fechados (manicômio).
Impactos psicossociais do confinamento e superlotação.
Ausência do devido processo legal e presunção de inocência.
Violência institucionalizada e abandono da proteção legal.
Crise do Direito: Jusnaturalismo, Juspositivismo e a “Lei do Mais Forte”.
Conflito entre jusnaturalismo (direitos naturais universais) e falha do juspositivismo (leis estatais).
A “lei do mais forte” como ausência de direito legítimo e manifestação da barbárie.
Surgimento da autotutela e justiça pelas próprias mãos como reação ao vazio legal.
Falência do contrato social e dos ideais de Hobbes, Locke e Rousseau.
Violência e Abuso de Poder.
Controle arbitrário de comida e recursos por milícias armadas internas.
Exigência de sexo em troca de comida — violência sexual como instrumento de poder.
Uso ilegal e arbitrário da força contra vulneráveis.
Criminalização de atos de sobrevivência, como o roubo de alimentos.
Ética, Moral e Consciência Individual.
A mulher do médico como exceção ética em um mundo de cegueira moral.
A luta pela dignidade humana em meio à barbárie.
Mito da Caverna de Platão como metáfora da cegueira moral e resistência ao conhecimento.
A importância de manter os “olhos críticos” abertos para a verdade.
Dever moral de proteção, solidariedade e resistência individual.
Fragilidade das Instituições Democráticas.
Risco de retrocessos autoritários em emergências.
Fragilidade e insuficiência das instituições diante de crises extremas.
Importância da separação dos poderes e fiscalização institucional.
Papel da sociedade civil na defesa do Estado de Direito e dos direitos humanos.
Práticas e Cenários Legais em Contextos de Crise.
Manicômio como espaço de confinamento arbitrário e negligência estatal.
Isolamento e quarentena usados como instrumentos de controle e punição.
Execuções sumárias e ausência de julgamento justo.
Superlotação, condições degradantes e desumanização sistemática dos confinados.
Violência sistêmica e naturalização do abuso em ambientes fechados.
🥵😮💨
Chega de Direito.
👇
Agora vão ler Ensaio sobre a cegueira porque é incrível!
The end
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